Lembro daquele
novembro de 2012: Juazeiro, Crato, um céu que brilhava em outra
intensidade. Lembro do All Star cor de laranja, do almoço no
Guanabara, das conversas sobre Camus, Cassiano Ricardo, do carnaval
de Recife e Olinda , do mar de Iracema e do sorriso de Talles Azigon.
Depois de alguns anos retomamos o nosso papo. O rapaz que eu conheci
no sol do Cariri conquistou um punhado de sonhos.
Quando
nos conhecemos em 2012, no Crato, você caminhava para os primeiros
passos da criação de uma editora independente. Alguns meses depois,
na companhia de amigos, nasce a Editora Substânsia, responsável
pela promoção de novos nomes da literatura e de renovar a cena
literária independente do teu Estado. Conta dessa tua trajetória
como editor e de como funcionava a curadoria para as publicações da
editora.
A
Substânsia, que vai completar cinco anos de existência, é uma
editora independente, que nasceu em Fortaleza, da vontade de três
pessoas, eu, Madjer Pontes e Nathan Magalhães, de ver boas e bons
escritoras e escritores que até então não conseguia ter sua obra
impressa em livros, publicados em edições bem acabadas, bem
editadas. Foram mais de 35 livros publicados, livros de poemas,
romances, ensaios, crônicas, contos, traduções... um catálogo que
não faz feio perto de uma grande editora. Os nomes e os títulos
publicados, alguns recebemos por email, alguns já
conhecíamos
e desejamos publicar. A publicação geralmente é coparticipada,
sendo que também
arriscávamos investindo em projetos especiais, como a coleção
mormaço e a edição bilíngue de Electra, traduzido pelo Professor
Orlando Araújo.
Tua
história como poeta vai além da publicação dos teus livros. Você
sempre teve, mesmo que indiretamente, uma preocupação em evidenciar
o papel do artista na construção de um pensamento crítico. Agora
com a criação da Livro Livre Curió Biblioteca Comunitária, você
aposta na formação de crianças e adultos da tua comunidade. Como
surgiu a ideia de transformar tua casa em uma biblioteca comunitária?
Eu nunca
acreditei em arte pela arte, sempre acreditei em arte pelo outro,
logo, pela vida. Tive no meu trajeto um sem número de pessoas,
bibliotecárias, poetas, musicistas, educadores, que facilitaram a
construção do meu pensamento, que foram minhas interlocutoras,
minha universidade. Desde pequenino, quando comecei a gestar em mim a
maravilha da leitura, juntar livros que eu conseguia, comprava, ou
garimpava das casa de amigos que não fazia muita questão deles e eu
os pedia pra mim, na prateleira da sala da minha vó, fingindo ser
uma biblioteca, era um dos meus passatempos prediletos. Quando
conheci uma moça chamada Anitta Moura, criadora de um movimento
chamado Livro Livre, que compartilhava livros em espaços públicos e
criava pontos de compartilhamento de livros, eu pensei, essa é a
hora, vamos lá. Fiz a biblioteca, que já eu certo antes mesmo de
existir, não poderia ser diferente, os livros pautam minha vida.
Arquivo de Talles Azigon |
Tua
produção poética transcende as fronteiras cearenses, não apenas
por ser uma narrativa atemporal, mas por proporcionar ao leitor uma
identificação genuína, sem medo de contrapor a realidade careta e
covarde que tanto combatemos. Fã confesso de Bandeira e Cacaso, tua
poesia transborda o direito pleno de existir/resistir: Meu coração
não é covarde/mesmo amando dois/nunca amará pela metade. Como e
quando nasce a poesia em Talles Azigon?
A
poesia está guardada nas palavras, é tudo que eu sei, também sou
fã do Manoel de Barros, da Cora Coralina, da Conceição Evaristo,
da Carolina de Jesus, da Cecília Meireles, do Francisco Carvalho, do
Mário Gomes, da Clarice Lispector, da Adélia Prado, sem falar de
todas as escritoras e escritores que editei, e que não cito, pois
seria injusto, já que não dá pra listar todo mundo. É bem difícil
afirmar com convicção como nasce a poesia, pois é tão múltiplo,
pode ser de uma gozada, ou dá vontade de dar uma gozada, da raiva,
da contemplação, do tédio, do deslumbramento. Eu acho que vivo em
estado de poesia, não que isso seja um dom, ou uma dádiva, acho que
isso foi uma escolha de vida, por isso me alimento de palavras a todo
momento, amo falar, amo escutar histórias, amo conversar. Minha casa
tá aberta vinte e quatro horas para quem quiser debater qualquer
assunto. Nunca fui uma pessoa silenciosa, tanto que um dia escrevi
pensado em Orides se toda palavra é crueldade, todo silencia também
o é.
No
momento em que o país atravessa um imenso descaso as causas
humanitárias, e grupos alimentam o discurso de ódio as minorias,
recordo do seu resgate a obra de Maria Carolina de Jesus, tua luta
incessante em valorizar uma política de igualdade em todos os
setores. Dentro desse contexto nos presenteia com uma lista de dez
títulos imprescindíveis para a formação de um leitor.
Quarto
de Despejo, Carolina Maria de Jesus
Estrela da Vida Inteira, Manuel Bandeira
A faca no Peito, Adélia Prado
A hora da Estrela, Clarice Lispector
A casa, Natércia Campos
A importância do Ato de Ler, Paulo Freire
Cinco Semanas Em Um Balão, Júlio Verne
Os Pestes, Road Dhal
Menino do Mato, Manoel de Barros
Olhos D’água, Conceição Evaristo
Estrela da Vida Inteira, Manuel Bandeira
A faca no Peito, Adélia Prado
A hora da Estrela, Clarice Lispector
A casa, Natércia Campos
A importância do Ato de Ler, Paulo Freire
Cinco Semanas Em Um Balão, Júlio Verne
Os Pestes, Road Dhal
Menino do Mato, Manoel de Barros
Olhos D’água, Conceição Evaristo
Você
acaba de lançar a segunda campanha colaborativa para o financiamento
do *Saral#2. Conta como foi o lançamento da primeira publicação.
Qual a importância de continuar a lançar novos nomes sem as amarras
do mercado editorial?
O
saral surgiu depois de eu ter lançado dois livros e editado outros
30, eu me toquei de que estava fazendo literatura ainda para poucos,
mesmo a frente de uma editora independente. Então eu pensei em fazer
um livro que cada uma/um pagasse de acordo com suas possibilidades
financeiras. Acho que devemos propor sempre outras coisas, não se
submeter ao que está estabelecido. Tanto que eu começo o saral
afrontando afirmando vocês querendo ou não, isto é literatura.
* Sobre o Saral: A campanha colaborativa para o Saral#2 vai até 20 de fevereiro. Colabora aqui: https://goo.gl/5AzqJh
Videopoema O ópio do povo - Talles Azigon
Direção Roteiro e Edição: Taciana Oliveira
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Talles Azigon é poeta, produtor cultural, editor, mediador de leitura, curador de eventos literários e contador de histórias. Foi um dos fundadores da Editora Substânsia, editora cearense independente com mais de 35 títulos publicados. Foi Secretário Geral do Conselho de Políticas Culturais de Fortaleza, representando no mesmo o segmento da Literatura, no biênio 2013/2014
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Taciana
Oliveira é cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada
por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona
memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem
quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.