por João Gomes__
O nosso entrevistado do mês é o poeta, músico e produtor cultural David Biriguy.
David Biriguy. |
Seu
livro Submarino
fala sobretudo de amar ou ter sido amado por alguém. Para você, a
poesia vem com alguma facilidade, o amor é mais difícil e o que
seria um poema pronto? A citar um poema desse seu livro, “Quantas
interrogações integram o teu silêncio?”.
A
temática do Submarino é o amor, mas o sentimento que se expõe ao
longo do livro é o arrependimento. É uma queda. Um declínio. Um
mergulho dentro de si para se reconstruir depois da queda.
Acredito
que há fluxos de escrita. Não diria que a poesia vem com
facilidade, mas que tenho facilidade para escrever e isso facilita a
escrita dos poemas. O amor é um lugar comum na literatura, talvez
isso o torne mais difícil de abordar de uma forma diferente do que
já se tem. O Submarino foi nascendo despretensiosamente. Eu estava
em um processo de desapego e estava escrevendo. Quando me dei conta
os poemas estavam todos ali. Fiz uma seleção dos melhores textos e
reuni neste livro.
Eu
não sei se existe “poema pronto”. Mas existem textos que se
desenvolvem com mais facilidade que outros, como se já viessem
“pré-produzidos” do nosso consciente, isso poderia ser chamado
de poema pronto? Outros textos dão mais trabalho, não ficam tão
legais na primeira tentativa de escrevê-los e você vai
desenvolvendo, lapidando, trocando palavras, talhando a coisa.
Se
a citação foi uma pergunta, eu diria que infinitas interrogações
integram o meu silêncio e deve ser por isso que escrevo.
Você
integra a antologia poética Sub
21, organizada
pela poeta recifense Cida Pedrosa, com a proposta de apresentar
poetas que na época tinham até 21 anos. Qual a importância de
estar em uma antologia ainda que composta por amigos?
Eu
entrei na antologia Sub21 por acaso. Alguém indicou a página
“poemas no escuro” que eu escrevia uns haicais no Facebook e a
Cida Pedrosa acabou me conhecendo. Isso foi em 2013, tinha 18 anos.
Foi meu primeiro ano de dedicação à literatura. Foi quando produzi
meu primeiro livro também, o “Útero de retratos mundanos”.
Acho
que participar de antologias é um primeiro passo pra quem pretende
se inserir no mercado da literatura, e foi o meu primeiro passo. Eu
ainda não tinha livro, então estar em uma antologia era uma forma
de provar que você escrevia. Para além disso, as antologias são
mapeamentos de autores, apesar das óticas e dos recortes abordados
em cada uma.
Em
Submarino
você assina como David Biriguy mas em outros momentos como David
Henrique Nunes. De onde vem o seu Biriguy e até que ponto o nome do
artista importa?
Eu
assinava como “David Henrique”, mas as pessoas só me conhecem
por Biriguy. Em algum momento o Biriguy iria pedir espaço, e pra não
trocar um pelo outro decidi uni-los. O Biriguy vem de um lugar que
até eu desconheço. Quando eu era criança um amigo me chamou assim
e disse que a origem do nome era um personagem de um desenho animado
que se parecia comigo. Até hoje não encontrei vestígios desse
personagem. Mas o nome permaneceu.
Acho
que o nome é só uma identificação mesmo, nada mais.
Você
venceu alguns concursos literários e lançou de forma independente e
artesanal pelo seu selo editorial Lara Cartonera. Seus títulos
sempre têm algo de livro-objeto, mas como é ser independente num
mercado e ramo artístico tão concorrido?
Ser
“independente” no sentido de se auto publicar, de não ter uma
grande editora que apostasse nos meus textos, não foi uma escolha,
foi uma necessidade. Quando escrevi o primeiro livro em 2013 procurei
diversas formas de publicar. Os custos de uma publicação por uma
editora são altíssimos e eu não tinha dinheiro pra bancar. A
primeira via foi publicar em formato e-book pela Castanha Mecânica
com Fred Caju. O livro estava publicado mas não vendia. As pessoas
queriam o livro físico, o objeto nas mãos. Então veio a Cartonera.
Participei de uma oficina com Wellington de Melo e resolvi esse
problema. Aí nasceu a Lara Cartonera e comecei a produzir livros
artesanais. Hoje produzo livros a partir de diversos materiais, não
só no formato cartonero, como no início.
Acredito
que ser “independente” é driblar os obstáculos apesar de tudo.
É tirar leite de pedra mesmo. Conseguir furar bolhas. Conquistar
espaços. A literatura ainda é uma linguagem artística de elite. Em
sua maioria produzida pela elite e apreciada pela elite. Nós somos
as exceções da regra. E acho que devemos cada vez mais mudar esse
cenário. Através do nosso trabalho, do nosso talento e de nossa
força. Pra gente é muito mais difícil “chegar lá”, mas
devemos chegar e conquistar o que também é nosso.
Sua
formação é Comunicação Social e sua participação artística é
multidisciplinar. Como você vê hoje a transmissão de ideias na
mídia e nas artes visto que os receptores estão cada vez mais sem
participação e passivos democraticamente?
Estou
cursando Comunicação Social, e estou até certo ponto afastado da
universidade. Acho que vivemos a era de maior velocidade nas
comunicações. A informação chega e se espalha muito rápido. E
isso pode ser bom por um lado e trágico por outro, vide o exemplo
das últimas eleições em que as fakenews decidiram o jogo.
Percebo
que a arte dentro da lógica capitalista vira um mero produto de
consumo e as pessoas estão acomodadas com isso. O público tem cada
vez menos interesse em artes e isso se deve a diversos fatores. Seja
a falta de uma formação com capital cultural, seja a falta de um
bom direcionamento de leitura, e até mesmo a convergência cultural
de outras opções de entretenimento.
Poeta,
músico, produtor cultural e documentarista com incentivo da
Universidade. De tudo um pouco para conhecer o seu olhar, sua
persistência e dedicação. Mas como é organizado o seu tempo para
caber tudo isso e o que te move para continuar?
Foto: @vaibuscarthalyta |
Não
existe uma organização formal. O tempo é de fato curto para lidar
com tudo. Inclusive por falta de tempo e dedicação integral aos
trabalhos é que estou um pouco afastado da universidade. Mais uma
vez: não é uma escolha, é uma necessidade. É de cada um desses
trabalhos que consigo sobreviver e pagar minhas contas. E eu não
escolhi fazer tudo isso, essas coisas me escolheram. Foram chegando e
eu fui fazendo. Sempre gostei de experimentar, sempre busquei novas
experiências. A música vem desde criança, quando toquei
instrumento de sopro numa banda de música em Belo Jardim. Depois
veio a poesia, ainda criança também, quando comecei a declamar
poemas na escola aos doze anos. O cinema veio através de oficinas no
festival de cinema de Belo Jardim e das aulas na universidade. Tomei
gosto pela linguagem do audiovisual e venho produzindo e trabalhando
também. O trabalho como produtor surge da necessidade de realizar
eventos e não se ter aqui em Belo Jardim nenhuma espécie de
incentivo ou apoio por parte do poder público. Acabou se tornando
outra fonte de renda também.
É
muito difícil sobreviver de arte no Brasil. Em Pernambuco. Em Belo
Jardim. É fazendo um pouco de tudo, sendo meio Bombril, que consigo
me manter através destes ofícios.
Como
produtor cultural você idealizou e fez a curadoria de duas edições
do Jardins da Literatura em seu município, Belo Jardim. Eu mesmo
participei de uma mesa literária em uma escola pública de nível
médio com a escritora garanhuense Fernanda Limão. O público
estudantil me surpreendeu como nunca vi igual. Conta um pouco das
raízes e frutos colhidos por esses Jardins?
O
Jardins da Literatura é um projeto de literatura voltado para o
público escolar. Acredito que devemos formar leitores ainda na
escola, e não da forma como se ensina literatura dentro da matéria
de língua portuguesa.
A
proposta do Jardins é justamente levar o autor para dentro da
escola, mostrar a literatura fora do livro, para que possa ser um
outro caminho, mais atrativo, para o aluno chegar ao livro.
Nesta
última edição conseguimos circular por 16 instituições públicas
de ensino, atingimos cerca de 4.000 pessoas entre oficinas, recitais,
palestras e mesas. Publicamos uma antologia com texto de 30 alunos e
tivemos uma grande descoberta que foi a aluna Letícia Lorrayne, que
já escrevia poemas e declamava. Irei publicar um livro dela pela
Lara Cartonera e este ano ela fará parte da programação do Jardins
da Literatura.
Os
jornais noticiam você com muito orgulho. Como é crescer
artisticamente e se perceber diferente com o passar dos anos dentro
do noticiários locais? O belo-jardinense citaria alguém com o
potencial equivalente e como tem sido o trabalho de expandir a
produção cultural no agreste pernambucano?
É
gratificante ver todo o esforço sendo recompensado de alguma forma.
Eu
sei de onde eu vim. Eu sei quantas barreiras quebrei para chegar
aqui. E ainda quebro. Mas entendo também que isso faz parte do
sistema. Eles me noticiam com “orgulho” porque o fato de ser
escritor elevou meu status social. Só por isso. Infelizmente a nossa
sociedade funciona assim. Não é pelo que você é, é o que você
representa. O que me alegra mesmo dentro desse processo de evolução
é conseguir fazer as coisas acontecerem, conseguir realizar um
projeto como o Jardins da Literatura e reunir muitos escritores da
nossa época, conseguir publicar meus livros, ministrar oficinas,
apresentar recitais, fazer shows, produzir filmes, gravar discos,
enfim, fazer.
De
Belo Jardim, cito dois artistas com muito potencial: Adones Valença,
artista visual, Pierre Tenório, cantor e poeta. Procurem essas
figuras.
No
momento, como produtor, tenho conseguido expandir a produção
cultural em Belo Jardim, com a aprovação de projetos no Funcultura
e na antiga Lei Rouanet, agora chamada de Lei de incentivo à
cultura. No Agreste, ainda é uma meta.
Você
ministra oficinas para elaboração de projetos culturais num tempo
de bem menos incentivo cultural e cortes inclusive na educação. O
que seria mais decisório para aprovação num cenário com tantos
artistas produtores de seus próprios projetos?
Sim.
Essa tem sido uma das estratégias para expandir a produção
cultural por aqui. Acredito que outros artistas podem e devem tentar
aprovar projetos e conseguir financiamento público para desenvolver
seus projetos. A verba é nossa, pois é pública. O que devemos
fazer é entender os mecanismos para conseguir pleitear os recursos.
O
Funcultura, por exemplo, é um edital muito técnico. Talvez até
mais técnico do que artístico. Então entender como funciona a
distribuição de pontos é uma estratégia decisiva. Para além da
parte técnica, acho que ser verdadeiro na parte artística. No final
das contas, você precisa convencer quem está julgando. Então uma
boa argumentação também pode ajudar a aprovar o seu projeto.
Juntando as duas coisas, as chances de aprovar são máximas.
David na banda Virgulados/ Crédito: Heleno Florentino/Divulgação |
A
declamação é muito comum no interior pernambucano. A banda que
você integra, os Virgulados, também utiliza poema autorais
misturando sonoridades. Como se combina os elementos para ter essa
experiência poético-musical? Todo poema pode virar canção ou é a
récita sonorizada que fala por si?
Sim.
Nós exploramos tanto o poema recitado quanto a musicalização do
texto. Ultimamente, mais o poema recitado com texturas sonoras
criadas como trilha para os textos. Estamos experimentando e
procurando nossa estética. Ainda não é um produto “acabado”.
Esse ano gravaremos nosso primeiro disco e estamos nessa fase de
pesquisa e experimentação do que iremos fazer, de quais impressões
e expressões queremos deixar no disco. Neste momento, temos mais
perguntas do que respostas.
O
que podemos aguardar para os próximos meses desse jovem artista?
A
próxima produção é disco do Virgulados, comemorando dez anos de
banda. Mais uma edição do Jardins da Literatura. Um curta metragem
que ainda está no papel. Publicações de dois autores
belo-jardinenses pela Lara Cartonera: Letícia Lorrayne e Jailson
Anderson. Por enquanto é isso, e qualquer coisa sigam lá no
Instagram pra ir acompanhando minhas andanças: @david_biriguy.
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David Henrique Nunes de Lima (David Biriguy) é poeta, músico, produtor cultural e coordena a Editora Lara Cartonera. Mora em Belo Jardim/PE e estuda Comunicação Social na UFPE em Caruaru/PE. Publicou Útero de Retratos Mundanos (2013), Poemas sem Cabrestos (2014) e Correspondências ao acaso (2018), além de participar de várias antologias nacionais. Na música, lançou os EPS Desencontrários (2015) e Escombros (2016) com a banda Virgulados, da qual é integrante e fundador. Dirigiu os curtas: Pelos galhos de Jurema (2016) e Ventre Morto (2017). Atualmente se dedica a produção cultural no Agreste Pernambucano.
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João
Gomes (Recife,
1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e
publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e
digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.