Obra de Leonilson |
Não
haveria necessidade de uma sigla se as pessoas não gostassem tanto
do rótulo, do estar identificado e agrupado para lutar por direitos
óbvios. Com a modernidade, depois da Revolução Sexual, não
deveríamos estar batendo nisso. Mas como o óbvio é ululante, como
sugere Nelson Rodrigues, persistimos em garantir nosso espaço a um
preço caro às vezes. Médicos aclamados por sua atuação, como
Drauzio Varella, pesquisador do tema HIV/Aids, atenta para a questão
biológica citando inclusive a homossexualidade entre animais. Até o
Papa Francisco pede que tudo isso seja esclarecido no julgamento
final e que não cabe a ninguém julgar no mesmo plano, todos merecem
respeito. Mas há quem acuse que toda a cúria é homossexual, as
freiras são bissexuais ou lésbicas e tudo é coberto pela manta
divina.
Obra de Darcy Penteado |
Temos
muito a nos orgulhar por ser publicamente o que uma parcela é em
segredo. Não é como ser tuberculoso e crer que todos estão só por
tossir, é que como humanos nos desejamos e somos castrados
socialmente. É poder ser fã de Madonna sem ser gay, ser fisicamente
forte e emocionalmente sensível. Conhecer a si pode ser o segredo da
felicidade que permite se orgulhar a ponto de provocar inveja. O
problema é que podemos saber demais, identificar quase sem erro e
com igual preconceito vestígios de comportamentos que nos reduzem e
separam. Tudo é mais complexo do que se imagina.
Para
incentivar e dar continuidade ao debate, por estarmos no mês LGBTQ,
sugiro alguns títulos da Netflix tidos como um presente à
irmandade. Recentemente assisti “Elisa y Marcela”, duas mulheres
que se juntam no início do século passado, uma delas tentando se
passar por um homem e se casando para ainda assim ser descobertas e
presas. Há também “Girl”, que narra o processo de transição
de gênero de um aspirante a bailarino com apoio do pai e, ainda
assim, muito sofrimento em cima da autopercepção e lentidão de
todo o processo hormonal. Há verdadeiras entregas na realização de
ambas narrativas. A série "Crônicas de San Francisco"
também narra o tema para quem prefere produções cinematográficas
de longa duração.
Eu
ao escrever este texto visto uma camisa com os dizeres: Lute
como uma garota, o que me
desperta às vezes o choro, mas não a vergonha de ter sido e com um
orgulho e enlevo de pensamento maior que qualquer estatística de
violência. Maior que qualquer incentivo de presidente tosco
representante de um povo iludido e orgulhoso, tanto quanto o outro
lado mas por inversão e recalque, defensores da família e da
hipocrisia. Há muitos atalhos para sair disso, e o principal deles é
o conhecimento, maior inimigo deste desgoverno atual, sempre anterior
à modernidade.
Que
a arte existe porque a vida não basta já dizia Ferreira Gullar.
Todo esse acervo LGBTQ existe para nos colocarmos no lugar do outro,
da diversidade ir em encontro com uma inclusão já existente. Negada
em nome de um obscurantismo capaz de fazer uma chacina numa boate
gay, mesmo tendo provas de o assassino ser homossexual também.
Guerras sempre existirão, entre os sexos, entre os da mesma condição
sexual, mas o que incomoda é esse decidir pela vida do outro, como
se tomar partido e satisfação daquilo que o outro faz com seu corpo
fosse de nosso interesse. Como não me rendo, prefiro viver a sonhar,
e ser mesmo o destemido que se traveste, que provoca a dúvida e
deixa a resposta por conta própria do tempo de assimilação de cada
um. Um viva a toda forma de ser amor.
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João
Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de
literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias
impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.