por Taciana Oliveira__
Poeta, artista visual, produtor cultural e editor literário. Baga Defente é múltiplo e incansável. Há tempos que a gente queria publicar essa entrevista. Há tempos que ela precisava acontecer. Equilibramos nossas agendas e o resultado de nossas conversas compartilhamos agora.
Faço de tudo um pouco
Quando criança eu gostava de desenhar e, já adolescente, de escrever. Meu sonho era ser um rockstar, mas até campainha, quando eu toco, desafina. Mas sempre gostei de ler; me lembro de acordar cedo no domingo de manhã, lá pelos nove anos, para saber como O Diário de um Mago terminava. Uns anos depois, um amigo me disse “você tem umas ideias diferentes, vai ser publicitário, né?”. Assim, aos 18 anos me mudei para a capital do estado (sou do interior de SP) e entrei na Faculdade de Propaganda & Marketing — da qual, nove meses depois, saí e fui estudar, não sei bem o porquê, talvez por gostar muito de filmes, Cinema & Vídeo. Nessa época comecei a escrever com mais frequência, especialmente poesia. Até blog eu tinha.
Quando criança eu gostava de desenhar e, já adolescente, de escrever. Meu sonho era ser um rockstar, mas até campainha, quando eu toco, desafina. Mas sempre gostei de ler; me lembro de acordar cedo no domingo de manhã, lá pelos nove anos, para saber como O Diário de um Mago terminava. Uns anos depois, um amigo me disse “você tem umas ideias diferentes, vai ser publicitário, né?”. Assim, aos 18 anos me mudei para a capital do estado (sou do interior de SP) e entrei na Faculdade de Propaganda & Marketing — da qual, nove meses depois, saí e fui estudar, não sei bem o porquê, talvez por gostar muito de filmes, Cinema & Vídeo. Nessa época comecei a escrever com mais frequência, especialmente poesia. Até blog eu tinha.
Fiz um semestre de muita teoria e nenhuma prática. Antes dele findar, soube pelo jornal que estavam abrindo uma escola de cinema em Curitiba e me mudei para lá. Foram dezoito meses de muita prática audiovisual e valorosas experiências de vida, descoberta de autores de vanguarda, aquela coisa doida de se ter 20 anos. Paralelo ao Cinema, comecei a estudar Filosofia na Universidade Federal, na qual durei nove aulas e duas festas. Voltei a morar em São Paulo, onde fiquei alguns anos trabalhando como roteirista e editor de vídeos, em sua maioria, publicitários; também comecei a fazer meus primeiros curtas, experimentais, geralmente sozinho, além de videoclipes para amigos.
Em 2011, já com dois filhos e Saturno completando sua primeira volta, voltei para o interior, desta vez Botucatu, onde moro até hoje. Ainda trabalhando com vídeos, escrita e design gráfico, em 2015 resolvi me autopublicar e comecei a fazer livros artesanais. fiz alguns, peguei gosto pela coisa e quando vi estava editando livros de outros autores e fazendo freelas de diagramação, capistas e outros serviços editorais. Com cerca de 15 livros editados, agora estou me oficializando como editora, a ser “oficialmente” lançada no início de 2020. Ou seja, faço de tudo um pouco, menos música. Ainda assim, pretendo, em algum momento entre agora e minha passagem, lançar um disco.
É preciso assumir o personagem que a vida nos dá
Defente é meu sobrenome materno. Já para Baga existem diversas versões sobre sua origem.Uma diz que tem a ver com o Baghavad Gita, livro que descobri logo que entrei na Faculdade. Na mesma época, alguns amigos queriam apelidar alguém de Baga. Não devia ser alguém alto nem baixo. Eu tinha drealocks vermelhos e eles estavam no metrô, indo para minha casa. Voilá! Na capital da República do Paraná, tive um insight: É preciso assumir o personagem que a vida nos dá. Baga era o que eu tinha e assim foi, vem sendo, um clássico caso de criatura superando o criador.
Talvez a versão mais interessante seja a que mescla um pouco de cada história.
Nada é tudo que você precisa -NADA∴ Estúdio Criativo
Recém-formado, eu precisava conseguir trabalho. Para isso, precisava de um reel, um vídeo curto com trechos dos meus trabalhos até então. O YouTube estava engatinhando, tinha que ter um site para hospedar o tal vídeo. Eu não queria algo relacionado ao meu nome, tipo um baga.com. Uma tarde, no banho, pensando nisso, percebi que, além desse e outros vídeos, meu site teria textos, pinturas, fotografias, enfim, um pouco de tudo.
Eu estava numa fase mais zen, estudando filosofias orientais, então tive o estalo: “nada é tudo que você precisa”. O endereço.com já estava ocupado, então descobri o art.br e, 13 anos depois, aqui estamos, sem um site atualmente no ar, em processo de transformação há pelo menos três anos. No setor audiovisual, mesmo na parte comercial, realizo vídeos bem diversos, indo de documentários sobre projetos sócio-culturais a institucionais para escritórios, passando por animações para restaurantes, documentários sobre orgânicos para o governo pré-golpe, animações para telas de agências bancárias e por aí vai, tendo como diferencial um cuidado estético e de linguagem mais apurado, e o fato de ser um nome-man band, que executa todas as etapas do processo, da produção e roteiro à mixagem e finalização, dirigindo, gravando e editando. Claro que, quando os recursos permitem, gosto de trazer outros profissionais para trabalhar, mas nem sempre isso é viável.
Paralelo a isso desenvolvo meu trabalho autoral, que oscila entre produção intensa e marasmo total, como agora, quando estou com o foco em outros projetos. meus filmes não partem de ideias pré-concebidas, eu capturo materiais, às vezes uma coleta de imagens já rende algo meio imediato; outras vezes levo anos trabalhando no mesmo projeto, também sinto que alguns materiais precisam de certo distanciamento para serem trabalhados. Antes de começar a fazer livros fiz alguns videopoemas, linguagem na qual me senti confortável, mas desafiado. Descobri esse “nicho”, enviei me inscrevi em diversos festivais e fui exibido em alguns países.
Infelizmente não pude visitar nenhum por conta disso ou ganhei um real com isso (o governo do Canadá me deve 50 dólares canadenses), mas é um estímulo para continuar produzindo.
Nossos tempos pedem afeto, pedem trocas verdadeiras
Todo movimento gera um contra-movimento. De alguma forma, essa crise do mercado editorial, olhando agora, era algo previsível. Nas grandes livrarias, o livro deixou de ser o foco. Tecnologia vende mais, encheram de eletrônicos. A expansão da cultura pop, as novidades virtuais, o streaming, lojas gigantescas para abarcar tudo isso e ainda ter um espaço para aquela turma estranha que ainda gostava de folhear livros. Tudo isso impactou a conta, que não fechava. Acredito que agora essa turma começa a se encontrar em espaços fisicamente menores e virtualmente infinitos. Por mais diversos que sejam entre si, entre seus grupos, eles possuem o livro, o amor por estes objetos tão únicos, que os conecta, gera afeto. E nossos tempos pedem afeto, pedem trocas verdadeiras. Eu sinto isso nas feiras que participo, nas pessoas que sempre conheço.
E hoje em dia, também por conta das tecnologias acima citadas, o processo de publicação se tornou mais acessível, tanto de forma artesanal, com impressoras bulk-ink, linha e agulha, quanto mais tradicional, com gráficas online que permitem a impressão de pequenas tiragens a valores viáveis, algo muito raro há três, quatro anos.
Nesses quase cinco anos de Livros do NADA, voltado para as publicações artesanais, com o processo todo feito de forma autônoma, foram 13 experimentos editados, entre fanzines ilustrados e livros de poesia, dez de minha autoria (eu precisava aprender errando nos meus), duas poetas e um trabalho de pós-graduação em artes visuais, um 1º experimento com capa-dura. Também fiz a parte de diagramação, projeto gráfico e capa em outros três livros, em parceria com a editora de uma grande amiga.
Agora em novembro será o lançamento de ‘Serpentário”, estreia na poesia do botucatuense Sérgio Santa Rosa, o primeiro livro não-artesanal, impresso em gráfica, lançado pelo NADA, com tiragem de 100 exemplares.
Metodologia subjetiva e experimental - Laboratório de Escrita Criativa
O lab é algo muito recente e em constante processo. São encontros semanais para se conversar e exercitar a escrita criativa, essa coisa muitas vezes distante, mas divertida e perigosa que a gente gosta de mexer.
Quando escrevo, estamos indo para o 7º encontro. Eu apresento alguns conteúdos, temas ou recortes, proponho exercícios rápidos, individuais ou em grupo, e proponho um desafio para trazerem no próximo encontro, relacionado ao que conversamos naquela noite.
O grupo está eclético e variável, o que torna a experiência mais rica e significativa. Minha metodologia é mais subjetiva e experimental, por isso busco respaldos mais técnicos para embasar minhas escolhas, num constante exercício de equilíbrio para equilibrar isso, sem deixar a razão ou a lógica linear sobrepor a criação.
Estou gostando muito da experiência, que vem sendo realizada através da Secretaria Municipal de Cultura de Botucatu, via projeto de oficinas culturais oferecidas gratuitamente à população.
Aquele caos primordial de aquário
Minha produção literária se manifesta em sua maior parte como poesia, apesar de preferir prosa como gênero para leitura. Gosto de escrever contos, mas muitas vezes eles acabam se aproximando da prosa-poética, ficando ali naquela tênue (e, talvez, desnecessária) linha entre uma e outra.
Assim como nos vídeos, pouquíssimas vezes parto de ideias ou pressupostos. Vou coletando frases, imagens poéticas mentais, vou anotando coisas que escuto caminhando pela rua, me aproprio de frases lidas em quadrinhos, incorporo trechos de canções, copio e colo trechos de notícias sobre física quântica. Determinado momento, quando a coisa aperta, eu sento, começo a escrever, mesclo com essas anotações, às vezes deixo descansar, noutras o calor do momento deixa pronto mais rápido.
Então acho que é um misto da organização caprina, o feeling do caranguejo e aquele caos primordial de aquário; sol, ascendente & lua.
Não sei se tenho ídolos, mas admiro o trabalho de muita gente. Começando pelos mais clichês, HIlda Hilst, Roberto Piva, Leminski. Os vanguardistas eruditos, Mallermé, Rimbaud, Apollinaire. Gosto muito do cotidiano que Frank O’Hara propõe, tenho um misto de amor & ódio pelos concretistas. O uruguaio Mario Benedetti me encanta, assim como a liberdade e autoconsciência de Enrique Vila-Matas. Gosto dos autores que me estão perto, sou um privilegiado de conviver com Alex Zani, Ana Vieira, Fernando Vasques, Guilherme Rocha Braga De Araújo, Johnny Faustino, Maré, Mari Quarentei, Sérgio Santa Rosa, entre tantas outras pessoas incríveis. Tem muita gente bacana produzindo literatura, algumas que eu só conheço virtualmente, mas acompanho, admiro, me inspiro e apoio.
Então acho que é um misto da organização caprina, o feeling do caranguejo e aquele caos primordial de aquário; sol, ascendente & lua.
Não sei se tenho ídolos, mas admiro o trabalho de muita gente. Começando pelos mais clichês, HIlda Hilst, Roberto Piva, Leminski. Os vanguardistas eruditos, Mallermé, Rimbaud, Apollinaire. Gosto muito do cotidiano que Frank O’Hara propõe, tenho um misto de amor & ódio pelos concretistas. O uruguaio Mario Benedetti me encanta, assim como a liberdade e autoconsciência de Enrique Vila-Matas. Gosto dos autores que me estão perto, sou um privilegiado de conviver com Alex Zani, Ana Vieira, Fernando Vasques, Guilherme Rocha Braga De Araújo, Johnny Faustino, Maré, Mari Quarentei, Sérgio Santa Rosa, entre tantas outras pessoas incríveis. Tem muita gente bacana produzindo literatura, algumas que eu só conheço virtualmente, mas acompanho, admiro, me inspiro e apoio.
Akangatu — a Palavra feita Forma
Ok, mesmo organizado, tenho certa dificuldades com planos, mas pensando nas intenções e ações para os próximos capítulos, a principal é a tal editora, Akangatu. A ideia é “estrear” com três títulos simultâneos, tendo em comum, cada qual com seu recorte e olhar, a gestação e parto natural como tema. Serão três autoras, um livro de estreia e duas segundas edições, revistas e ampliadas.
A ideia é financiar isso através de financiamento coletivo. O nome da editora vem do projeto Akangatu — a Palavra feita Forma, realizado em 2018 na Biblioteca Municipal de Botucatu. Foram 3 meses de atividades, sempre aos sábados: cursos de poesia, prosa, oficina de publicações independentes, rodas de leitura, contação de histórias e sarau.
A ideia é financiar isso através de financiamento coletivo. O nome da editora vem do projeto Akangatu — a Palavra feita Forma, realizado em 2018 na Biblioteca Municipal de Botucatu. Foram 3 meses de atividades, sempre aos sábados: cursos de poesia, prosa, oficina de publicações independentes, rodas de leitura, contação de histórias e sarau.
A proposta agora é adequar isso para uma versão pocket-itinerante para cidades do interior que não possuem muitas opções de cultura. Óbvio que o momento não é propício a isso, mas é preciso encontrar novas formas de criar e produzir para (r)existir.
Outra ideia que começa a se concretizar [SPOILER] é um curso de poesia online, em parceria com a Fazia Poesia, em fase de estruturação, com novidades em breve. [/SPOILER] A “Éfi-pê”, como a chamamos, é um portal de poesia contemporânea, a primeira e maior publicação poética em português no medium.com.
Por fim, na parte autoral espero que a qualquer momento apareça um filme ou livro novo (de preferência, ambos).
E é aí que nasce a esperança
Sem qualquer gota de dúvida (coisa rara), a arte é o que nos permite sobreviver. A frase acima pode ser lida de forma retórica, auto-centrada em si mesma, quase como um pílula de sabedoria abstrata proferida por um coach.
Ou pode ser transposta para a prática, na partilha tanto da criação quanto na fruição artística. O encontro, a troca, a utilização ativa da Arte, mesmo por quem que não é (ou se considera) artista, nos fortalece. A arte muitas vezes pode ser ingrata, mas é sempre recompensadora.
Como disse lá no início, um movimento gera um contra-movimento. A guerra agora é pelas narrativas, a faculdade humana de contar histórias elevada ao extremo no convívio social contemporâneo. As máscaras estão caindo, de forma acelerada. A cadela continua no cio, estava apenas tirando um cochilo. Use seu tempo na companhia de quem agrega, contribui, ainda que as ideia sejam diferentes — sim, com coerência é possível discordar e até mesmo discutir, desde que se esteja disposto a ouvir e avaliar. Pena que coerência virou luxo, o comunismo quase destruiu o Brasil e a Terra é plana.
De forma bizarra, a priori anacrônica, mas, se colocada em perspectiva, coerente com sua construção, chegamos à Era da Ignorância. “Que época para se viver”, já diziam na década passada; mal sabiam eles.
Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo (Wittgenstein) + Aonde quer que eu vá, eu descubro que um poeta esteve lá antes de mim (Freud) = é a vontade carregada de sentimento que transforma um desejo em realidade.
Mesmo que a Arte não nos dê respostas, ele estimula novas questões, propõe novos caminhos possíveis. E é aí que nasce a esperança.
por Baga Defente |
10 obras diversas que, de diferentes maneiras, me marcaram
Vou dar uma subvertida na proposta e sugerir — sem qualquer hierarquia entre si — 10 obras diversas que, de diferentes maneiras, me marcaram:
- Twin Peaks (série de TV + filme, David Lynch, 1990 - 2017)
- Years & Years (série de TV, Russell Davies, 2019)
- Waking Life (filme, Richard Linklater, 2001)
- Soy Cuba (filme, Mikhail Kalatozov, 1964)
- Pink Floyd: Live at Pompeii (filme-concerto, Adrian Maben, 1972)
- A Love Supreme (álbum musical, John Coltrane, 1965)
- Bitches Brew (álbum musical, Miles Davis, 1970)
- Hedwig & Angry Inch (filme musical, John Cameron Mitchell, 2001)
- Promethea (série em quadrinhos, Alan Moore, 1999-2005)
- Coringa (filme, 2019, Todd Phillips) — assisti na noite anterior à esta entrevista, então ainda estou sob efeito do filme. altamente recomendado.
Um poema
Conselho que já não é necessário em nenhuma parte do mundo, mas que em El Salvador...
Nunca se esqueça
de que os menos fascistas
entre os fascistas
também são
fascistas
—
Roque Dalton, poeta salvadorenho, 1935-1975.
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Foto:Danilo Batista |
Baga Defente é poeta, artista visual & produtor cultural, sempre utilizando o Acaso como sua principal ferramenta criativa. Em 2011 trocou o cinza da cidade pelo verde do campo e se mudou da capital paulista para um bairro rural no interior, onde divide seu tempo entre trabalhos comissionados através do NADA∴Estúdio Criativo e sua produção autoral, a qual se manifesta em vídeos, pinturas, colagens e textos que abordam e mesclam relações humanas afetivo-sociais, política & ocultismo.
Desde 2015 também se dedica à publicação independente, produzindo livros artesanais de pequena tiragem e grande cuidado, tendo até agora lançado 13 títulos, quase todos de sua autoria.
Conheça mais procurando por @bagadefente e @NADAestudiocriativo pelas redes sociais.
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Taciana
Oliveira é
mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada
por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona
memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem
quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.