por
Taciana Oliveira__
O
itinerário biográfico de Bianor Mendonça na cultura popular do
Estado de Pernambuco é tema de uma publicação assinada pela historiadora Carla Maria de Almeida e pelo antropólogo Cássio Raniere
Ribeiro da Silva. Bianor Mendonça é uma das figuras responsáveis
pela construção da identidade social e artística do município de
Camaragibe. Os resultados desse projeto, incentivado pelo Funcultura
- Secretaria de Cultura e Governo do Estado de Pernambuco, podem ser
acessados no site desenvolvido por Ticiano Arraes e na publicação
Bianor-Trajetórias e Memórias, disponibilizada para download gratuito na plataforma digital. Conversei com o Coordenador Geral do
projeto Ângelo Fábio, sobre os detalhes da produção e os próximos
passos para sua continuidade.
Bianor Mendonça / Acervo da Família |
1 - Quem foi Bianor Mendonça e o que ele representa para a
cultura de Pernambuco?
Bianor
foi um importante personagem da cidade de Camaragibe, até
então era uma figura desconhecida por muitas pessoas. Entre os anos
1950 e 1960, contribuiu com o desenvolvimento cultural de Camaragibe,
ainda naquele período, o município era distrito de São
Lourenço da Mata.
Morador
do bairro da Vila da Fábrica, provocava e incentivava a
produção cultural daquela época mobilizando músicos, grupos de
teatro, ex-funcionários da antiga Companhia Industrial de
Pernambuco (CIP) e sobretudo os jovens, estimulando a
capacitação e continuidade dos estudos. Tinha uma visão bastante
avançada pra época. Como um articulador nato teve destaque na
CIP, iniciou seu trabalho no chão, enquanto operário. Com o
passar do tempo, a aquisição de experiência e desenvolvimento das
habilidades, Bianor é promovido a função de técnico de
custo, sendo responsável pela programação e controle das despesas.
Ao realizar palestras para a fábrica e nas localidades vizinhas se
aproximou do cenário politico local. Ele também passa a escrever
discursos políticos na região.
2
- Como nasce a proposta do projeto "Bianor-Trajetórias
e Memórias"?
Surge
a partir de uma inquietação minha. Mas tudo começa no final do ano
de 2012, quando o Teatro de Camaragibe passou a se
chamar Teatro Bianor Mendonça Monteiro. Na época eu vivia em
Buenos Aires - AR, mas estive de passagem por aqui, e na ocasião fui
para a "reabertura" do teatro. Desde então ficou rondando
na minha cabeça: Quem é esse Bianor e o que ele fez ou
contribuiu para a cidade ou movimento cultural de Camaragibe?
Passado
alguns anos, desde então o teatro esteve inativo e subutilizado como
depósito, sem maiores investimentos. Em 2017 fui convidado a compor
a equipe da Fundação de Cultura de Camaragibe como diretor
do Cine-Teatro. Então já a frente do equipamento cultural,
pude ter acesso a família do Bianor através de uma amiga, Ysolda
Coutinho, que me levou a casa dos familiares. Desde então me
deparo com um vasto baú de memórias. Daí propus ao fotografo
Josivan Rodrigues e a pesquisadora e historiadora Carla
Almeida a entrarem nesta odisseia. Na sequência passa a compor a
equipe o antropólogo Cássio Ranieri, que junto a Carla
coordenam o projeto de pesquisa. Quem assina do design gráfico é
André Soares e o website Ticiano Arraes. A realização
é do Pós-Traumático com Coordenação Geral minha e incentivo do
Funcultura - Secretaria de Cultura e Governo do Estado de
Pernambuco.
Print da página do site: .https://www.bianorbiografia.com.br/ |
O
projeto passou por diversas caminhos até chegar a sua etapa final no
ano de 2019. Estamos motivados a seguir em frente, ampliando e
inspirando novas pesquisas. A elaboração deste trabalho só foi
possível por conta do coletivo, despertando assim o interesse de
pesquisar outros importantes personagens que todavia seguem
invisibilizados em Camaragibe.
3
- Contar a história de Bianor é resgatar a memória e geografia
afetiva da cidade de Camaragibe?
A
perguntas aqui responde por si só: SIM! - Não só contar a história
do Bianor, mas sim como abordar o resgate e memória afetiva
das pessoas e município. É poder compreender um pouco mais do
processo de desenvolvimento social, politico, econômico e cultural
do município de Camaragibe e ampliar a compreensão do
processo de emancipação politico administrativa. Durante anos
Camaragibe foi distrito de São Lourenço da Mata e só
foi emancipada em 13 de maio de 1982, de acordo com a Lei nº 8.91,
publicada no Diário oficial do Estado de Pernambuco.
No
livro Bianor - Trajetórias e Memórias podemos ler valiosos
relatos de pessoas comuns que conheceram o "Bia".
São memórias de pessoas simples que falam com paixão sobre temas
relacionados, não apenas sobre Bianor, mas também sobre a
antiga fábrica de tecidos e a cidade de Camaragibe. O
município numa certa época foi um importante celeiro cultural,
educacional e econômico. Os moradores podiam trabalhar e viver onde
moravam, sem precisar se deslocar para o Recife ou cidades vizinhas.
Muitas dessas lembranças foram resgatadas com voz e sentimento de
nostalgia.
Durante
o período de pesquisa, minha compreensão sobre a cidade passa a ter
outro movimento. Quando dialogo com idosos acabo (re)descobrindo mais
sobre uma Camaragibe carente, abandonada e esquecida por
muitos. Aqui ainda é comum escutar que moramos em uma cidade
dormitório, onde não acontece nada, que não se tem uma identidade
própria, de que é muito distante (mesmo localizada ao lado do
Recife) e tantas outras coisas. Adentrar nesta pesquisa me levou a
ter outros acessos, e saber de que por aqui cada rua e bairro foram
pensados e bem planejado. Suas regiões político-administrativas
(RPA) estão fortemente vinculadas a uma zona rural, a uma
área de preservação ambiental (APA) e a um celeiro urbano
de grande potencial. E que a memória da cidade está interligada com
a estrutura desenvolvimentista da antiga CIP, que foi fundada em
1891. Como tantos outros municípios, por aqui se preza normas e
padrões conservadores, por outro lado a discussão politica é
bastante fervorosa. Há quem de fato pense numa cidade que dialogue
com a sua geografia social de forma inteligente. A diferença é que
ainda são perpetuados costumes que beneficiam políticas de
favorecimento próprio. Isso provoca a estagnação do
desenvolvimento do município. Uma cidade contraditória, porém com
coisas boas pra se conhecer. Afetividade passa ser uma palavra que
tem força.
Ângelo e Jeane Costa ao final da entrevista. O pai de Jeane era amigo de Bianor Fotografia: Josivan Rodrigues |
4
– Quanto tempo de coleta de depoimentos, análise de material
iconográfico até chegar na publicação da pesquisa? Qual a
metodologia para revelar o perfil biográfico de Bianor?
A
pesquisadora Carla Almeida conta que o tempo de pesquisa
efetiva, análise e elaboração, foi de um ano: de novembro de 2018
a novembro de 2019. A metodologia é de natureza qualitativa, com
levantamento de dados a partir da pesquisa de campo, bibliografia e
levantamento documental com realização de entrevistas. Porém, o
projeto tem como ponto de partida o ano de 2017.
5
– Bianor “empresta” o nome para um
Cine-Teatro localizado em Vila da Fábrica. Há participação
popular na programação desse equipamento cultural? Lembro de toda
mobilização para a reforma do espaço. Você pode nos contar sobre
o percurso dessa reforma?
O
"emprestar" o nome para o Cine-Teatro, foi
consumado no ano de 2012, na gestão do ex-prefeito João Lemos,
tendo em conta a relação de amizade que o pai do mesmo tinha com o
Bianor, por isso o nome do teatro. O Bianor Mendonça vivia
numa casa de frente ao teatro. Entre o ano de 2017/2018, estive como
diretor do Cine-Teatro. Naquele momento, como gestor, vinha um
constante "incômodo" por se trabalhar numa
instituição onde não se tinha de fato uma referência concreta de
quem era este personagem. E a pergunta não parava de rondar na minha
cabeça: Quem foi este Bianor? Daí dar-se o inicio da
pesquisa.
Em
um ano de ocupação (sim, a palavra ocupação faz um imenso
sentido, não se tratando apenas do simbólico da palavra) mesmo
compondo a equipe da gestão municipal, esta autarquia teve muitas
dificuldades em desenvolver o trabalho junto a gestão. Cultura aqui
é algo sempre distante, e nunca está no centro das politicas
públicas. Durante um ano de muito trabalho a participação popular
era constante. Como estratégia foram adotadas ações onde a
população pudesse conhecer e acessar ao cine teatro. Muitas pessoas
passavam pela frente do teatro e só o viam como depósito, ou o
chamavam de "Elefante Branco". Suas portas foram
abertas e mesmo sem energia elétrica, e demais infraestruturas,
realizamos oficinas, ciclos de debates, residência/realização de
mostras artísticas e cineclube. Estabelecemos convênio junto ao
Departamento de Teoria da Arte e Expressão da UFPE e
convidamos os próprios moradores do bairro a zelar por este espaço.
Muitas destas ações foram consideradas uma afronta tanto para a
gestão quanto para uma parte da classe cultural do município, que
muitas vezes se revezavam no poder . Iniciativas importantes não
foram tomadas. Em alguns momentos podia se “sentir” da parte de
algumas pessoas uma torcida para o “quanto pior, melhor!”
Equipe coletando depoimento/ Fotografia : Josivan Rodrigues |
Uma
das grandes conquistas pra cidade foi o Prêmio de Aquisição de
Iluminação Cênica da Funarte 2018. Hoje não componho mais o
quadro da equipe da Fundação de Cultura, mas o ritmo tem
sido outro, as ações voltam-se para aspectos mais "bairristas"
e com pouco espaços para um diálogo progressista e cosmopolita. É
notório a dificuldade da continuidade de projetos avançados
comparado o período de 2017/2018. Isso parece consequência da
redução e qualidade do corpo e quadro técnico. É preciso que se
tenha afinidade pela proposta de atuar em uma Fundação de
Cultura. Não é só por aqui, mas no Brasil de um modo geral,
arte e cultura são as primeiras coisas a serem afetadas.
6
- Como o público pode acessar todo esse material? Ele é disponível
para download?
O
download do livro, em formato PDF, é gratuito no site
www.bianorbiografia.com.br.
Lá outras informações sobre Bianor. Mas o projeto não
termina aqui. Temos como meta para 2020 a publicação impressa do
livro. Seguindo adiante apresentaremos o resultado nos diversos
ciclos. É de grande importância que as pessoas saibam quem foi o
Bianor e o valor histórico que Camaragibe tem para o Estado
de Pernambuco.
Da esquerda pra direita: André Soares (Designer) ,, Carla Almeida e Cássio Raniere (pesquisadores), Ângelo Fábio (Idealização e Coordenação Geral) e Josivan Rodrigues (Fotógrafo e Produtor) |
7
– Uma frase ou um poema de Bianor que você destacaria.
Filhos de Bianor - Da esquerda pra direita : Teresa Cristina, Malu Monteiro, Bianor Filho e Sandra Monteiro Fotografia: Josivan Rodrigues |
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Ângelo Fábio, 1981. Artista interdisciplinar e produtor cultural que
trabalha com o cruzamento das linguagens cênicas. Fundador do Pós–Traumático, Hemisférios Itinerantes (AR/BR) e Caosmo
Cia. Experimental. Estudou jornalismo de investigação na
Universidade Popular Madres de la Plaza de Mayo e Licenciatura
Direção Cênica (UNA), Argentina, porém não concluiu os estudos
universitários. É idealizador do Cineclube Universo Paralelo
e co-idealizador da Mostra Periférica, em Camaragibe. Também
já foi diretor do Cine Teatro Bianor Mendonça Monteiro
(2017/2018), produziu o livro Bianor – Trajetórias e Memórias
e promove o Encontro das Artes Cênicas de Camaragibe
(2017/2019). Como ator e diretor, integrou diversas companhias
artísticas no Brasil e outros países.
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Taciana
Oliveira é mãe de JP,
cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por
fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias
e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir:
Ter bondade é ter
coragem.