por
Taciana Oliveira__
Betocello
é uma artista que transita pela diversas expressões. Há um
comprometimento genuíno na construção dos seus trabalhos. O Mirada
conversou com o artista e o resultado você lê abaixo.
1
— Minha estreia profissional começou ali, na mistura de gente, estilos, ideologias, ilusões e sonhos...
Minha trajetória como artista plástico começa na década
de 70. Morávamos num bairro próximo ao mar. E no encontro do rio
com o mar minha história foi se inventando nas imagens do céu,
mangue, barcos, dunas, gentes, pássaros e ventos. Onde eu morava a
rua era de areia branca, as casas de muro baixo, todas iguais. Com o
passar dos anos as amizades se fortaleceram nas brincadeiras de rua,
e ouvir músicas do Belchior em fita K7 era uma inspiração. Outra
imagem importante que carrego é a de minha mãe trazendo gibis
quando vinha do centro da cidade. Eu adorava o cheiro da tinta, as
cores fortes das capas. Nossa, era muito bom aquilo tudo! Na calçada
da igreja compartilhávamos ilusões, trocávamos livro, discos de
rock and roll e aprendíamos sobre a vida. Numa
daquelas manhãs um amigo vizinho me ensinou a desenhar. Eu tinha uns
dez anos quando fiz minha primeira reprodução. Naquele momento,
literalmente, a janela se abriu. Foi um assombro, uma outra maneira
de ver as formas. A partir daquele dia a arte tornou-se um caminho em
minha vida. Ganhei pinceis, estojo de pintura e uma coleção de
livros de arte de minha mãe. Então, passei a ler tudo que
encontrava sobre artes plásticas para conhecer as técnicas do
oficio. Como autodidata, construí meu estilo influenciado pelos
modernistas. Max Ernest, André Breton, Miró, Salvador Dalí,
Raimundo Cela, Aldemir Martins. Estes últimos conheci nas visitas ao
MAUC - Museu de Arte da UFC. Fui atrás do sonho de ser artista
plástico e paulatinamente foram aparecendo as oportunidades de
participar de exposições coletivas. Nos anos 80 a ditadura não nos
inibia. Fortaleza fervilhava com shows na praça, grupos de teatro,
artistas plásticos, poetas, escritores, todos ligados pela arte e
pela política. Havia um movimento intenso nas ruas e nas
Universidades. Nós nos apropriávamos das salas dos Centro
Acadêmicos/DCEs para produzirmos cartazes no estilo Construtivista e
sairmos às ruas em protesto ao sistema político vigente. Foi com
uma obra surrealista que participei da Massafeira
Livre, um movimento de arte e cultura que aconteceu em
Fortaleza, no ano de 1979. Minha estreia profissional começou ali,
na mistura de gente, estilos, ideologias, ilusões e sonhos,
amalgamando arte e política, resistindo ao autoritarismo político
econômico que a ditadura impunha ao país.
2 — Crio sem a preocupação de definição acadêmica ou tema específico
Nos
anos 80 casei e fomos morar em São Paulo, onde fiz cursos de desenho
no Museu Lasar Segall, curso profissionalizante de desenho
gráfico nas Escolas Salesianas, Curso de Desenho
Livre no SESC. De volta a Fortaleza, em 89, comecei
a trabalhar numa agência de publicidade. Mesmo trabalhando continuei
pintando, buscando meu espaço. Na década de 90, participei de
alguns concursos que surgiram em Fortaleza. Ganhei prêmio do Salão
Norman Rockwell do Desenho e da Gravura,
prêmio Concurso Talento Teleceará, Prêmio
Aquisição 1ª Mostra de Artes Plásticas da
Assembleia Legislativa do Ceará.
Fiz
um Curso
de Escultura
em Fiberglass,
com o professor Walter Monte, no MAUC – Museu de Arte da
UFC. Minha última obra em fibra de vidro foi exposta na XII
Unifor Plástica, onde recebi destaque da imprensa local.
Lamentavelmente não pude continuar esculpindo em fiberglass por
motivo de saúde. Com isso, acabei me afastando da escultura.
Posso
dizer que sou multiartista pelo fato de não me prender a um gênero.
Tento ser livre para expressar minha arte, pelo menos, tento. Crio
sem a preocupação de definição acadêmica ou tema específico.
3 — Resolvi, então, assumir a alcunha
Meu nome de batismo é Roberto Oliveira, por conta
disso a família e os amigos me chamavam de Beto ou Betinho. Em
minhas inquietações artísticas experimentei teatro, mas não deu
muito certo. Resolvi tentar a música clássica. Comecei a estudar
violoncelo na Orquestra do SESI, uma ousadia que não durou
muito, também, mas o suficiente para que esses mesmos amigos me
apelidassem de Betocello. Resolvi, então, assumir a alcunha.
4 — O papel e a tela são meus suportes preferidos
Meu processo de criação normalmente é espontâneo.
Ponho uma música, tomo café, leio poesia, deixo os gatos se
achegarem. Vou rabiscando o suporte, me familiarizando com o papel ou
tela. Gosto de olhar o branco, a trama, a textura. Me ligo muito no
tamanho do suporte para compor a obra. Vou imaginando os volumes, as
sombras, a luz. Mesmo que a obra seja abstrata deixo as cores e o
tema se definirem na execução. Uma coisa vai estimulando a outra.
Também sou ilustrador de livros. Gosto de trabalhar junto com o
cliente, deixo que ele interfira em minha criação até chegar ao
resultado que ele deseja. Não tenho problemas com isto. O papel e a
tela são meus suportes preferidos. Uso tinta acrílica, aquarela,
nanquin, ou qualquer outro pigmento que me dê possibilidade de
pintar. Sou um colorista.
5 — Recentemente comecei a resgatar a fala política através da poesia
Minha obra já teve um caráter político-ideológico
engajado, mas com o passar dos anos foi se distanciando, assumindo
significados menos explícitos, por acreditar que uma obra de arte se
torna maior quando é contemplada. Portanto, ela tem o poder de
atravessar o observador e sensibilizar a alma, fazendo conexões
libertadoras. Hoje minha narrativa imagética está ligada a
composição e a cor. O tema é encoberto pela experiência simbólica
do sentir. Meu interesse é na estética propriamente dita. Dou muita
importância a composição da obra. Recentemente
comecei a resgatar a fala política através da poesia. Uso os versos
para expor meus sentimentos e indignação com a estupidez que se
instalou no Brasil e no coração dos homens.
6 — Como nas artes plásticas, escrevo compartilhando minha visão do mundo
Após terminar o bacharelado em Teologia, senti desejo de
continuar produzindo textos, de escrever... Veio uma inquietação
na alma, alguma coisa que não compreendi. Então, resolvi tomar
coragem e colocar no papel tudo que estava dentro de mim, os
sentimentos, as dúvidas, as indignações. Daí nasceu minha
poesia. Sou iniciante na poesia e sei que tenho muito que caminhar,
mas, como nas artes plásticas, escrevo compartilhando minha visão
do mundo e fico feliz quando o que digo tem ressonância na vida das
pessoas.
7 — Faço parte da curadoria da feira Arte Na Praça
Há três anos fui convidado por Renata Holanda, curadora e
membro fundadora do grupo, a participar do Coletivo Vestigium
ArtGallery, que tem como foco a promoção e divulgação dos
artistas plásticos cearenses. Uma plataforma de lançamento de
artistas novos e já consagrados. Como membro do Coletivo, participo
de todas as exposições e estou responsável pela realização do
sarau lítero musical na abertura das exposições. Faço parte da
curadoria da feira Arte Na Praça, novo projeto do Coletivo que
acontece semanalmente.
7 — Um poema
Gritem
ao vento: uma besta de sangue ergue-se em nossa bandeira!
E
um poema rasgará a bandeira dedicada à falsa bondade.
Um poema levará o verbo indignação ao nascimento das ideias.
Um poema levará o verbo indignação ao nascimento das ideias.
Na
noite das marés...
E
a maquinação do dignitário, amigo do inferno, não mais ressoará
no dossel das casas.
E
a imaginação do inocente cidadão despontará no tapete da sala
vazia.
A
dor arderá nos altares sedentos.
Um
poema e o vento, juntos, passarão nas ruas dos meninos vendedores de
pedras, esquálidos.
E
salvarão as meninas ocas, violadas com paus e pedras sob o teto dos
dignitários.
Homens
de bem que permanecem na desmedida fúria do sexo.
Um
poema fustigará a realidade com ideias, água e fogo.
Apesar dos
homens cordial
Apesar do aborto das ideiasoutros trabalhos de Betocello.
Um poema permanecerá
Fustigar,
***No Corredor de Criação do Mirada conheça outros trabalhos de Betocello.
Apesar do aborto das ideiasoutros trabalhos de Betocello.
Um poema permanecerá
Fustigar,
***No Corredor de Criação do Mirada conheça outros trabalhos de Betocello.
Betocello
é natural de Jaguaribe/CE. Teólogo, poeta e artista plástico, com
obras premiadas no Estado do Ceará. Atualmente faz parte do Coletivo
Vestigium, com sede na galeria do IBEU Aldeota, Fortaleza.
Organiza trimestralmente o Sarau Lítero Musical, que acontece
na abertura das vernissagens. Acredita no diálogo cultural, na
diversidade de expressões para compartilhar dúvidas, sonhos e
dificuldades da realidade artística.
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Taciana
Oliveira
é mãe de JP, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife,
apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura.
Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra
quem quiser ouvir: Ter
bondade é ter coragem.