por Raimundo de Moraes__
Numa
breve entrevista concedida ao Portal Mirada, a escritora,
pesquisadora, doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e
membro da Academia Pernambucana de Letras de Pernambuco, Luzilá
Gonçalves nos conta sobre o incrível trabalho de pesquisa
realizado na construção do seu novo livro (ainda sem data de
lançamento) chamado Aurora e Chopin, a impossível valsa de
adeus.
Mais
de uma década se passou desde a última vez que entrevistei Luzilá.
Mas é sempre um renovado prazer trazer ao público um pouco da sua
importante trajetória como escritora e pesquisadora, o que faz com
que essa ilustre filha de Garanhuns, no Agreste pernambucano, ocupe
um lugar de destaque na literatura brasileira contemporânea.
Luzilá,
a companheira de Frederic Chopin, a escritora George Sand (pseudônimo
de Amantine Dupin) é o tema do seu novo livro. O que te motivou a
escrever sobre ela? Quanto tempo durou o trabalho de pesquisa?
É
uma história de amor que vem de longe. Amantine-Lucile-Aurore
Dupin sempre me impressionou.
Adolescente, vi um filme sobre sua vida com Fréderic
Chopin, compositor que amo.
Chamava-se À noite sonhamos
e foi filmado nos reais lugares onde ela viveu, no castelo de
Nohant, no centro da França, em
Paris, em Mallorca, para onde eles fugiram, escondendo-se dos amigos
e curiosos, no começo da vida a dois e buscando a cura para os
primeiros sinais da doença de Chopin. O filme mostrava a casa natal
do compositor, em Zelazowa Wola,
perto de Varsóvia. Um filme muito Hollywood, technicolor dos anos
60, sentimental ao extremo, o cinema vinha às lágrimas quando,
abandonado por Sand
e multiplicando concertos através da Europa pra ajudar a Polônia,
gotas de sangue caíam dos lábios de
Chopin, sobre as teclas brancas do
piano. Depois disso, assídua leitora da biblioteca da Faculdade
de Direito, busquei todos os
romances de Sand,
primeiras edições, imagine, belas encadernações, devorados pelos
estudantes dos Cursos Jurídicos, inclusive Castro
Alves, que lhe dedicou poemas, e
Antonio Pedro de Figueiredo, que
traduziu e publicou em sua revista, O
Progresso, uma peça de teatro de
autoria de Sand.
Minha tese de doutorado estudava os folhetins franceses escritos por
mulheres no século XIX, e minha co-orientadora, Michèle
Perrot, uma mulher admirável, é
também uma admiradora de Sand,
estudiosa de suas obras.
Casa de George Sand, Nohant, França |
Passei um dia e uma noite em Nohant,
estive em Zelazowa Wola,
ouvi concertos e prelúdios de Chopin
na Sala Pleyel, onde ele também tocou. Li os originais de cartas de
Sand
a amigos e a Chopin,
fiz pesquisas sobre a vida dos dois, na seção de manuscritos da
Biblioteca Nacional
e na Biblioteca do Arsenal,
em Paris, cujo prédio pertenceu a um amigo do casal, o poeta Charles
Nodier, que organizava concertos no
mesmo piano que ainda ali se encontra. Você vê, é muita pesquisa e
muita emoção. Li uma enorme quantidade das 27 mil cartas escritas
pela autora de Indiana, e naturalmente páginas e mais páginas de
sua autobiografia. Uma supermulher, corajosa, ativa. Sempre viveu de
seu trabalho como romancista, fundou jornais republicanos em tempo de
monarquia, apesar de pertencer à nobreza. Posicionou-se a favor do
divórcio, proibido pelo Código de Napoleão e conseguiu obter o
próprio divórcio. Proclamou a liberdade das mulheres em suas
escolhas amorosas e seu direito e dever de exercer uma profissão.
Recusou entrar para a Academia
Francesa de Letras, por achar que
sua presença em nada acrescentaria às atividades daquela
organização. Além disso, uma grande amiga: Nohant
recebeu por várias vezes e por longas temporadas, Balzac,
Flaubert,
Liszt,
Delacroix.
Joaquim Nabuco
lá esteve, mas Sand
não aceitou a visita pedida pelo imperador
Pedro II, seu leitor e admirador,
pretextando doença. Cultivava ela própria suas flores e verduras,
cozinhava para os amigos pratos regionais do Berry*.
Instalou em Nohant
um pequeno teatro de marionetes. onde representavam pequenas peças,
escritas por eles mesmos, ou pelo filho dela, Maurice,
acompanhados ao piano, por Chopin,
imagine... O castelo de Nohant
é hoje um museu, doado à França por sua última bisneta, em 1954,
com os móveis originais pertencentes à família. Na grande mesa de
jantar, estão marcados os lugares dos ilustres convivas e no
primeiro andar, o piano de Chopin,
no final do corredor, ao lado do escritório da amada.
George Sand, retrato de !864 |
Você
preferiu optar por um texto mais documental ou uma biografia
romanceada?
Você
vê, esse livro que intitulei Aurora
e Chopin,
a impossível valsa do adeus,
resultou de muita pesquisa e muito amor. Baseou-se em fatos reais,
mas a imaginação da romancista só pode interferir, claro, na
construção da personagem. Eis aí, contei tudo sobre ela, você nem
precisa mais ler o livro, de fato uma biografia romanceada.
No
século passado, pensávamos que as novas leis, a ética e a equidade
social iriam solucionar muitos problemas decorrentes do machismo e da
violência doméstica. Na sua opinião, quais são os novos desafios
do feminismo para o momento atual?
Chopin |
Quais
os desafios que Amantine-Lucile-Aurore
Dupin coloca a nós mulheres atuais?
Esses, de que falei, a busca da beleza, a realização de uma vida
plena, de liberdade, de escolhas muito individuais, de muito amor.
De ser dona de seu corpo. E do dever de se profissionalizar, para se
sentir independente. Coisa que nem todo homem entende nem aguenta.
Estamos
passando por uma época bastante difícil no Brasil, onde, por muitas
vezes, o fundamentalismo religioso tem recebido mais apoio do governo
do que investimentos na pesquisa, na educação e na cultura. Qual a
sua perspectiva para o Brasil nesses próximos anos?
O
Brasil atual? Me duele,
como dizia Unamuno
a respeito da Espanha de seu tempo. Me dói. Parece que se perdeu a
antiga cordialidade com que os sociólogos nos classificavam, mata-se
por um celular, ou em razão de ciúmes, odeia-se até pessoas que
não se conhece. Investe-se pouco ou de modo equivocado em educação.
Nossos dirigentes parecem não saber aonde vão e querem levar a
gente para lá. Ou então sabem demais e querem cercear nossa
liberdade de escolhas. Uma tristeza. Parecem ser contra tudo o que
pode ajudar a vida a ser mais bela, a natureza, as árvores, a
música, a arte, a cultura.
Recentemente
o governo de Rondônia tentou vetar a circulação de obras de vários
autores, incluindo Machado de Assis, Ferreira Gullar, Mário de
Andrade, entre outros. A censura às artes no século vinte e um é
um sintoma que erramos em algum momento em nossa história enquanto
nação? Ou é algo passageiro decorrente de uma ideologia
pseudonacionalista e com viés fascista?
Uma
burrice sem nome, uma ignorância imperdoável. Esses nossos autores
estão entre os que de mais importante o Brasil produziu. Os
melhores, mais sensíveis e mais inteligentes, dentre os que nos
pensaram. Essa gente está querendo aparecer. Será que já entraram
numa biblioteca?
*Antiga região histórica francesa, que foi desmembrada entre os departamentos de Cher e Indre, no Centro-Vale do Loire.
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Luzilá
Gonçalves Ferreira é professora de língua e literatura
francesas, pesquisadora e escritora. Tem vários livros publicados,
entre os quais Os Rios Turvos e Muito além do corpo,
que receberam prêmios nacionais e No Tempo frágil das horas.
Ocupa a cadeira 38 da Academia Pernambucana de Letras. Fonte: CEPE
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Raimundo
de Moraes é escritor, jornalista e publicitário.