Por Adriane Garcia___
“O
coração do poeta é um hospital
Onde
morreram todos os doentes.”
Delícia
que foi voltar a este Eu, de Augusto dos Anjos, depois
de duas décadas. Poder sorvê-lo muito melhor que quando jovem, com
mais maturidade para compreender temas e forma.
Seus
versos, tão meticulosamente trabalhados e cheios de musicalidade,
falam da precariedade humana, da efemeridade da matéria. Há um
entendimento panteísta do universo, uma integração de tudo, na
dança cósmica em que se insere a vida e que inclui, por necessário,
a morte: uma obsessão em seus versos.
Augusto
dos Anjos traz um pessimismo elevado em sua poesia. A morte e a
finitude fazem com que a vida humana não encontre sentido. A saída,
afirmada em sua obra, é a memória e a arte; de resto, tudo vai
parar no festim dos vermes:
Budismo
moderno
Tome,
Dr., esta tesoura, e... corte
Minha
singularíssima pessoa.
Que
importa a mim que a bicharia roa
Todo
o meu coração, depois da morte?!
Ah!
Um urubu pousou na minha sorte!
Também,
das diatomáceas da lagoa
A
criptógama cápsula se esboa
Ao
contato de bronca destra forte!
Dissolva-se,
portanto, minha vida
Igualmente
a uma célula caída
Na
aberração de um óvulo infecundo;
Mas
o agregado abstrato das saudades
Fique
batendo nas perpétuas grades
Do
último verso que eu fizer no mundo!
O
poeta destaca em sua poesia a força dos instintos, a característica
animalesca do ser humano na luta ingrata para vencer sua natureza. É
uma poesia impregnada de filosofia. Estudioso e erudito, trouxe para
seus versos termos oriundos de diversas ciências, com destaque para
a Biologia. Deixou o legado do antilirismo e da antipoesia de maneira
original, ampliando as possibilidades do gênero e inovando a
linguagem poética. Eu foi seu único livro publicado em vida,
em 1912. Identificado como pré-modernista na História da Literatura
Brasileira, Augusto dos Anjos foi um criador singular.
Soneto
Ao
meu primeiro filho nascido morto
com
sete meses incompletos
2 fevereiro 1911
Agregado
infeliz de sangue e cal,
Fruto
rubro de carne agonizante,
Filho
da grande força fecundante
De
minha brônzea trama neuronial,
Que
poder embriológico fatal
Destruiu,
com a sinergia de um gigante,
Em
tua morfogênese de infante
A
minha morfogênese ancestral?!
Porção
de minha plásmica substância,
Em
que lugar irás passar a infância,
Tragicamente
anônimo, a feder?!...
Ah!
Possas tu dormir feto esquecido,
Panteisticamente
dissolvido
Na
noumenalidade do NÃO SER!
Debaixo
do tamarindo
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como
uma vela fúnebre de cera,
Chorei
bilhões de vezes com a canseira
De
inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda,
como uma caixa derradeira,
O
passado da Flora Brasileira,
E
a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os relógios
De
minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar
nos noticiários que eu morri,
Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada
com a própria Eternidade
A
minha sombra há de ficar aqui!
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Eu
Augusto
dos Anjos
Poesia
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Augusto
dos Anjos (1884-1914), poeta paraibano, viveu o parnasianismo e o
simbolismo, mas para o poeta Ferreira Gullar, ele se encaixava
na corrente pré-modernista. Morreu aos trinta anos, vítima de
tuberculose. Publicou apenas um único livro , Eu (1912).
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Adriane
Garcia nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 2006, no curso
de pós-graduação em Arte-Educação, na UEMG, interessou-se por
estudar sobre a desconstrução do Arraial do Curral del Rei e a
construção da primeira cidade planejada da República, com destaque
para as questões de esquecimento e memória. Tendo vivido sempre na
periferia (norte) da capital mineira, o olhar voltado para as origens
e a exclusão social acompanha sua poesia. Publicou os livros Fábulas
para adulto perder o sono (vencedor do Prêmio Paraná de
Literatura, 2013, ed. Biblioteca do Paraná), O nome do mundo
(Ed. Armazém da Cultura, 2014), Só, com peixes (Ed.
Confraria do Vento, 2015), Garrafas
ao mar (Ed. Penalux, 2018) e Arraial do Curral
del Rei (Ed. Conceito, 2019)