por Adrianne Garcia__
Ideias
para adiar o fim do mundo
é um livro composto, de forma adaptada, por duas palestras e uma
entrevista de Ailton
Krenak,
ambientalista e pensador indígena, nascido na região do Vale do Rio
Doce, lugar atingido brutalmente e de forma criminosa pela lama da
barragem da mineradora Vale.
O
livro é daqueles pequenos que não se mede. Além de conhecimento, o
que Ailton
Krenak
desenvolve na sua narrativa é uma exposição de sabedoria. Enquanto
o sistema capitalista explora o planeta a ponto de destruí-lo e
adota termos como “sustentável” para continuar explorando os
recursos naturais sem rever o modo de vida da espécie humana, Ailton
Krenak
chama para adiar o fim do mundo, para contar mais uma história.
É
interessante que contar mais uma história apareça novamente como
uma estratégia de adiamento da morte – lembramos a inteligência
da Sherazade
de As
Mil e Uma Noites;
contar mais uma história é depositar confiança na palavra, na
comunicação, no interesse do outro; narrar e ouvir narrativas é
uma forma de enriquecer as subjetividades.
Em
Ideias para adiar o fim do mundo, Krenak
critica a ideia de humanidade consensual, uma humanidade que não
consegue conviver com a diversidade, que não consegue respeitar as
diferenças e aceitar que não somos e nunca seremos todos iguais,
uma humanidade que quer o achatamento e a destruição das
subjetividades e que, portanto, no seu conceito, já traz
implicitamente a ideia de uma sub-humanidade.
O
autor destaca o consumo, a separação da natureza, como se ele – o
homem – não fosse parte dela. Causa dos desastres socioambientais,
a transformação do homem não em cidadão, mas em consumidor, leva
ao equívoco de uma espécie que se afasta daquilo que
verdadeiramente poderia integrar; um ser que se vê acima dos outros
seres e que os acha subordinados à sua vontade.
Krenak
faz uma crítica a um modo de vida que mais se parece com a morte,
pois não há celebração verdadeira, não há interação com o
cosmos, com as árvores, com os rios, com os bichos, com as montanhas
e as pedras, não há dança ou genuína alegria, mas ordens
publicitárias em que cada um se torna apenas engrenagem do capital
para servir ao deus mercado.
Por
outro lado, a liberdade e alegria daqueles que ousam continuar
diferentes, que se negam a habitar essa humanidade desolada gera uma
intolerância enorme, pois o que chamamos de humanidade não admite
os que ainda vivenciam suas subjetividades, os que ainda vivem seus
ritos em comunhão com a Mãe Terra.
“Em
2018, quando estávamos na iminência de ser assaltados por uma
situação nova no Brasil, me perguntaram: “Como os índios vão
fazer diante disso tudo?”. Eu falei: “Tem quinhentos anos que os
índios estão resistindo, eu estou preocupado é com os brancos,
como que vão fazer para escapara dessa.” A gente resistiu
expandindo a nossa subjetividade, não aceitando essa ideia de que
nós somos todos iguais. Ainda existem aproximadamente 250 etnias que
querem ser diferentes umas das outras no Brasil, que falam mais de
150 línguas e dialetos.
Nosso
amigo Eduardo Viveiros de Castro gosta de provocar as pessoas com o
perspectivismo amazônico, chamando a atenção exatamente para isto:
os humanos não são os únicos seres interessantes e que têm uma
perspectiva sobre a existência. Muitos outros também têm.
Cantar,
dançar e viver a experiência mágica de suspender o céu é comum
em muitas tradições. Suspender o céu é ampliar o nosso horizonte;
não o horizonte prospectivo, mas um existencial. É enriquecer as
nossas subjetividades, que é a matéria que este tempo que nós
vivemos quer consumir. Se existe uma ânsia por consumir a natureza,
existe também uma por consumir subjetividades – as nossas
subjetividades. Então vamos vivê-las com a liberdade que formos
capazes de inventar, não botar ela no mercado. Já que a natureza
está sendo assaltada de uma maneira tão indefensável, vamos, pelo
menos, ser capazes de manter nossas subjetividades, nossas visões,
nossas poéticas sobre a existência. Definitivamente não somos
iguais, e é maravilhoso saber que cada um de nós que está aqui é
diferente do outro, como constelações. O fato de podermos
compartilhar esse espaço, de estarmos juntos viajando não significa
que somos iguais; significa exatamente que somos capazes de atrair
uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam guiar o nosso
roteiro de vida. Ter diversidade, não isso de uma humanidade com o
mesmo protocolo. Porque isso até agora foi só uma maneira de
homogeneizar e tirar nossa alegria de estar vivos.”
(p.
31 a 33)
***
Ideias
para adiar o fim do mundo
Ailton
Krenak
Cia
das Letras
2019
*** Você
também pode acessa essa resenha no blog Os livros que eu li, de
Adriane Garcia.
Ailton
Krenak,
é escritor, líder indígena e ambientalista. Uma das mais
destacadas lideranças do movimento indígena brasileiro.
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Adriane
Garcia
nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais. Em 2006, no curso de
pós-graduação em Arte-Educação, na UEMG, interessou-se por
estudar sobre a desconstrução do Arraial do Curral del Rei e a
construção da primeira cidade planejada da República, com destaque
para as questões de esquecimento e memória. Tendo vivido sempre na
periferia (norte) da capital mineira, o olhar voltado para as origens
e a exclusão social acompanha sua poesia. Publicou os livros
Fábulas para adulto perder o sono
(vencedor do Prêmio
Paraná de Literatura,
2013, ed. Biblioteca
do Paraná),
O
nome do mundo
(ed.
Armazém da Cultura,
2014), Só,
com peixes
(Ed.
Confraria do Vento,
2015), Garrafas
ao mar (ed.
Penalux,
2018).