Por João Gomes__
Estou triste, muito triste. Não sabemos para onde estamos indo no meio dessa pandemia. As ruas seguem vazias, mas os coletivos seguem cheios. A quarentena não é seguida rigorosamente. Alguns supermercados estão com estacionamento lotado, poucos fazem a contagem para não haver aglomeração.
Felizmente, cestas básicas são distribuídas para famílias com situação econômica dentro do risco muito antes da pandemia. O Auxílio Emergencial não saiu para todos, mesmo com o anúncio do pagamento antecipado da segunda parcela com milhares de brasileiros ainda em análise.
O colapso na rede de saúde já se deu, mas o afrouxamento do isolamento físico é pedido pelo presidente, pelos empresários, pastores e defensores do capitalismo selvagem. Há quem argumente que o vírus inclusive não existe, que o “fique em casa” é somente para dar audiência à Rede Globo.
Minha tristeza faz com que o choro tome conta do meu rosto como se ouvisse a canção “Poema” tão tocada nas rádios. E o medo era motivo de choro… E ainda assim, não é exatamente o grande mistério do que irá acontecer no futuro que me faz chorar. É o nada que toma conta do presente, deixando o vazio maior que o próprio vazio.
E o óbvio me irrita, porque poderíamos estar lidando com a situação e não morrendo com ela. E esse governo, que deveria declarar falência múltipla dos neurônios que nunca tiveram. Trocam ministros toda semana, para tirar o foco do assunto mais importante no momento: a vida das pessoas.
Covid-19 já lembra cova, e é isso que mais me apavora, ver tantos morrerem por descontrole e não ter onde enterrar. Em Manaus o colapso já se dá no sistema funerário, com já quase 5.000 casos confirmados. 2020, dois patinhos afundados na lagoa: um ano de perdas, de incertezas, de medo. O país está congelado, mas você deseja sair bem vivo. Então cuide-se. Porque a grande moral da história é poder seguir nela, dado o risco de também perdermos a vida de quem escolhe ou não se importar.
Proteger os que estão no grupo de risco é não disparar neles a ira dos covardes, do que não sabe debater e ainda assim chegou ao poder pela decisão de milhares de imbecis.“E daí? Lamento, quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagres”, disse o presidente que em abril do ano passado, um ano atrás, também afirmou: “Não nasci pra ser presidente”. Esse aí é um caso perdido, que quer fazer do país sua biografia. Um presidente debochado e ovacionado pelos patriotas é o que temos para suportar.
Vejo mais pessoas com máscaras pela rua, e isso me deixa feliz e esperançoso. Usar a máscara não garante 100%, mas faz com que o vírus circule menos de uma pessoa para outra diretamente em algumas mucosas do rosto. Porque ao se proteger, você evita que o problema avance e protege todos ao seu redor.
Fiquei triste quando soube que foi encontrado o vírus dentro de esgotos no Rio de Janeiro, dado que sabemos que um outro grande problema no país é a falta de saneamento básico. Isso mostra o quanto o vírus circula de maneira aleatória. Não é de se espantar, visto que o que mais encontramos pelas ruas é justamente máscaras pelo chão. E me pergunto, não havendo a preocupação: que tempos estes que as pessoas morrem e os parentes nem podem ir ao enterro e ainda há quem não se importe?
Minha tristeza é a de quem ama a vida, e não pelo tédio de que reclamamos, este que é a dor dos que agonizam e queriam só um pouco desse nada. Um nada livre de sintomas agressivos, de parentes enterrados e sem saber se terá a própria cura caso esteja infectado. Cura, esta palavra que tanto este tempo precisa para diminuir essa tristeza geral que adoece em massa.
Uma tristeza que nos deixa imóvel, sem saber para onde ir (e melhor é não ir, é agradecer por não precisar não ir). Porque o valor da vida está em preservá-la sobretudo quando se está em risco.
A canção dos The Rolling Stones, Living in a ghost town (Vivendo em uma cidade fantasma), inspirada na quarentena, será talvez a única que me fará lembrar esse momento, se eu sobrevier a ele. Deixo aqui os trechos que mais me tocaram: “Você pode me procurar / Mas não consigo ser encontrado” e “A vida era tão bonita / Então todos fomos trancados”.
É preciso refletir nossos conceitos e achismos, seguir as recomendações de quem lida com surtos epidemiológicos e saber que a rebeldia e desobediência civil do momento é ficar em casa, e não romper o isolamento social como se tudo estivesse normal. E sempre ainda é tempo de mudar, independente se vamos ou não sobreviver a este momento.
João
Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de
literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias
impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.
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