É melhor Jair se fodendo | Quiercles Santana


por Quiercles Santana __
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A pergunta que continua soando grave para mim (até mais do que “por que Jair não cai?”) é “como esse idiota conseguiu chegar às alturas em que chegou?
Algumas coisas saltam logo à mente, claro, o óbvio. Sabemos que muitos dos irmãozinhos em Cristo, filhos das igrejas narcopentecostais, a pedido de seus pastores babacas, temendo as “mamadeiras de piroca”, votaram no acéfalo miliciano.
Isso já foi por demais batido. Não é dessas obviedades que quero falar aqui, mas voltar para muito antes e tentar rastrear os absurdos que juntos acabaram avacalhando a nossa “Pátria idolatrada salvi salvi”, que virou meme, piada pronta, chacota universal mundo a fora.
Vejamos:
1 - O absurdo que é a existência do Tribunal Superior Militar. Trabalha pouco, retira um dinheiro monstruoso dos cofres públicos, para fazer quase nada além de passar pano para os seus oficiais, por mais imundos que estes sejam. Nos anos 1980 Jairzinho arquitetou um plano que previa a explosão de bombas em quartéis e outros espaços estratégicos do Rio de Janeiro, em protesto contra baixos salários. O que fez o TSM? Beijinho na boca e expulsão do quartel, com cartinha de louco debaixo do braço. Por delitos bem menos graves, tem gente cumprindo pena nos presídios do país;
2 - As sucessivas reeleições de um canalha que nunca fez nada pelo bem comum, nem como militar nem como homem público. Como pôde a população do Rio eleger e reeleger tantas vezes consecutivas esse sebento senhor, apesar de tantas provas do despreparo que ele é como parlamentar e como ser humano?
3 - Que um idiota, cidadão comum, que responde apenas por ele mesmo e mais ninguém, sentado numa cadeira de bar, fale as merdas que lhe vier nos cornos, é mais ou menos compreensível. Mas como pode homem público, representando milhares de eleitores, subir à tribuna parlamentar para incitar o ódio, ameaçar pessoas, elogiar torturador, não perder por isso o mandato e ir preso? Quantas vezes tiveram a oportunidade de punir o Jairzinho por incertos comportamentos como foi no episódio do impeachment da Dilma, mas deixaram passar? (Aí há quem venha me dizer que uma democracia deve suportar tudo, até quem dela faz escárnio. Será? Vai você bater um “Heil, Hitler!”, mesmo sendo um turista ou cidadão comum, mesmo sem estar representando ninguém a não ser você mesmo, num bar, num pub, numa rua qualquer de Berlim, para ver o que lhe acontece. E lá é uma Democracia… ou alguém duvida? E justo por não querer deixar de ser, pela história e mortes que carrega nas costas, por não enterrar o passado, temendo o que possa advir no futuro, é que age com mão pesada contra certas atitudes condenáveis. A Alemanha compreende muito bem a lição de Karl Popper, sabe que ela precisa ser levada a sério: não se pode tolerar o intolerável. Nós achamos que seria possível rir das besteiras do Jairzinho (aquele programa do Marcelo Tás na Band TV deu muito palco para ele, quem lembra?), sem perceber os não sei quantos idiotas aplaudindo em casa o cabeça vazia, nosso então futuro Hitlerzinho de ocasião, que seria eleito anos mais tarde, com maioria dos votos válidos, como sabemos;
4 - Um juiz de primeira instância rasgar a Constituição e limpar com ela o rabo, pode estar dentro de seus planos de virar super herói nacional, mas deveria ter sofrido sérias sanções dos Tribunais Superiores. Jogar sujo, realizar desmandos anticonstitucionais, prender induzindo testemunhas, comandar o Ministério Público, chefiar investigações da Polícia Federal, não me parece ser coisas a serem ignoradas com a desculpa fácil disso ou daquilo. Houve momentos em que Morito foi maior que qualquer ministro do Tribunal Superior. Agora está aí o Poder Judiciário fedendo mais que gambá, a vista do povo a quem deveria defender se tivesse protegido com alguma decência a Carta Magna, como é sua missão… ou estou enganado?
5 - Quando na etapa final das últimas eleições presidenciais se aventou que robôs em massa estavam fazendo o trabalho sujo para Jairzinho, quem esquece da carinha fofa da ministra Rosa Weber, que deveria ter mandado suspender o pleito para apurar os fatos e as fake news, conforme as regras, mas deixou para lá, covarde que foi (covardes que foram), mitigando a desgraça iminente que estava para nos destroçar. Dizendo proteger as eleições protegeu um bandido, chefe de milícia e acabou dando no que deu. (Numa Olimpíada, se um dos atletas estivessem sob suspeita de doping, com certeza os juízes mandariam suspender as provas para fazer os devidos exames. Essa é pelo menos a premissa oficial… Ou não?) Como presidente do STE, penso que era atribuição da Dona Rosa tirar as provas dos nove… Mas parece estar ali apenas para enfeitar a mesa e um enfeite de mesa é um enfeite de mesa, mesmo sendo uma Rosa. Neste caso, com espinhos bem seletivos, não esqueçamos);
6 - Recentemente se descobriu ligações escusas de um delegado da PF que vazou informações sobre a Operação Furna da Onça, que também beneficiou Jairzinho nas eleições presidenciais de 2018.
Assim fica muito fácil de ganhar qualquer sufrágio. De degrau em degrau, o rato subiu ao trono. Figuras assim fazem o nosso congresso e, sim, eles nos representam. Talvez não muitos de nós, mas com certeza a maioria de nós. O Sistema todo é uma desgraça. Políticos, em sua maioria, são uns vermes que merecem o nosso mais profundo desprezo, mas ao invés disso damos-lhes nossos votos (damos ou vendemos?).
Cada dia há mais certeza de que os corruptos do alto espelham os corruptos de baixo. Que a imundície de lá está resguardada por maquiagem, paletó e gravata, mas é o anverso e a síntese da imundície daqui do porão.
Era preciso quebrar esse círculo vicioso, mas é ele que agora está nos quebrando, nos triturando nas gangrenagens da Covid 19, infelizmente aprenderemos muito pouco sobre política com essa crise sanitária.
Neste momento em que o número de mortos extrapola a marca dos vinte mil, em que o novo Coronavírus vai nos alçar ao pódio mundial (para não perder a imagem das Olimpíadas) dos cadáveres produzidos pela catástrofe, penso que parte desses mortos deveria entrar para a conta dos que auxiliaram Jairzinho na vida pública medíocre e insana dele, que sempre quis e nunca negou seu amor à morte alheia, que incentivou e incentiva milhares de cidadãos e cidadãs a irem às ruas se contaminarem com a “gripizinha” em nome da boa família e da economia brasileira.
Sim, os eleitores de Jairzinho são responsáveis direto por ele estar hoje na presidência. Mas pensando bem, não somente eles. Os isentões também, os que lavaram as mãos, os que não foram às urnas, ou votaram em branco ou nulo. E mais todo o resto, que jogou o jogo sujo (PF, Ministério Público, STF, STJ, STM, figuras do alto e do baixo escalão, os seus eleitores do Rio, a ambição dos partidos de Esquerda, a burrice do povo brasileiro), acabou por dar a medalha ao pior dos concorrentes.
Gigante pela própria natureza, mas não tão belo, não tão forte, nem impávido colosso, hoje o futuro do Brasil espelha a grandeza de um cemitério desmedido, onde constarão as covas de nossos pais, mães e avós, sobre as quais dançarão em breve os filhos e netos do Jairzinho.

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Quiercles Santana é arte-educador, ator, encenador, dramaturgo e professor de teatro, formado em Educação Artística com Habilitação em Artes Cênicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Fez parte do corpo docente de diversos projetos sociais, a exemplo do Projeto Santo Amaro (da Escola Superior de Educação Física/ESEF-UPE), do Projeto ReVersus (da UFPE), do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI/Projeto Teatro do Oprimido) e do Programa de Animação Cultural (este último em parceria com o ex-Padre Reginaldo Veloso e Fátima Pontes, na Secretaria de Educação da Prefeitura da Cidade do Recife, durante a gestão de João Paulo). Foi diretor artístico da Trupe Circos, da Escola Pernambucana de Circo (Circo Social). Trabalhou seis anos na Diretoria de Políticas Culturais da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Dirigiu diversos espetáculos, como A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht; Tempo Que Não é, do Grupo Tróia de Taipa; Circo Godot e Le Petit, da Companhia Ítalo-Brasileira Circo Godot de Teatro; Voragem, do Grupo Magrikory (SESC Santa Rita); Baile do Menino Deus, com Ronaldo Correia de Brito; Olhos de Café Quente, do Nútero de Criação Artística; Alguém Pra Fugir Comigo, do Resta 1 Coletivo de Teatro; e Espera o Outono, Alice, do Amaré Grupo de Teatro; Berço Esplêndido, do Grupo Panorama de Teatro; e Balbúrdia, da turma profissionalizante da Companhia Fiandeiros de Teatro.