por Alessandro Caldeira__
Artérias em casa, Lambe - Lambe por Cristina Machado |
A
quem queira se revoltar, é bom dizer: não ouse ser lúcido. A
lucidez é contra a qualquer protesto.
Por
exemplo, me chamaram de “verme”, coisa feita, ensaiei uma cólera,
mas logo hesitei porque avaliei-me e percebi que não valho nem para
o animálculo existente no meu coração.
Isso
é devido a uma doença que adquiri ao longo dos anos chamada
Fernando Pessoa, porque aprendi a ser lúcido. Se pelo menos soubesse
a ser cômico aproveitaria melhor dando risada do que sou.
“Dê
risada do que você é. Não consegue?”, meu coração pergunta se
debatendo, aos gritos, porque não conhece mais a sua utilidade junto
a mim.
Meu
coração é um objeto. Mas que objeto é esse que é preciso dar
corda, como a um relógio: funciona temporariamente e não desperta.
Meu
Deus! Por que não me fez cômico? Me fez lúcido para ser trágico.
Os outros é que me utilizam como a uma comédia.
Enquanto
isso, não ganho o pão que me pertence. Ao contrário, sou repartido
e distribuído aos outros para depois reclamarem que não faço
digestão.
Pensei
em objetar, até a insultar meus desertores, mas chorei, porque sou
lucido. Na cama, meu choro soou falso, sem formato ou som.
Deduzi
que perdi os sentidos quando me tornei lúcido. Por Deus! Não
existo. Sou lúcido.
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Alessandro
Caldeira — Jornalista com aposentadoria precoce, se formou
melhor no ramo da timidez, mas desbocado (não é, Clarice?). Para
livrar de meus traumas vejo futebol com frequência, leio
compulsivamente sabendo que nunca vou ser um daqueles personagens já
que Belchior está constantemente nos meus ouvidos, dizendo: a vida
realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior.