por Alessandro Caldeira_
A
única coisa que prestava na escola era a biblioteca. Por ser
pequena, pude experimentar algo que hoje em dia faço numa boa:
conversar com bibliotecários(as) e sentar de pernas cruzadas em
algum canto da parede.
Enquanto
alguns burlavam a aula pra
jogar bola (o que também me interessava), na maioria das vezes,
aproveitava a minha amizade com a diretora para ficar de
papo até dar a hora do sinal.
Quando
ela corria para observar as crianças subindo a escada que dava para
as salas, eu
ficava
trancado na biblioteca. Não sei como, mas ela soube do meu interesse
por aquele espaço, mas fingia que eu estava conseguindo enganá-la.
Até
que um dia me tirou da aula e me levou para a sua sala:
Se
você gosta tanto de ler, me prove escrevendo, assim eu perdoo as
suas faltas.
O
que escrevi completou umas quatro páginas de tanta inspiração. Certamente devo ter
misturado um monte de ideias sem objetivo algum, mas entreguei. Ela
pegou as folhas e guardou na gaveta.
A
diretora nunca falou se havia gostado ou não do que eu tinha escrito, mas
nem toquei no assunto porque começava a sentir vergonha do meu
texto. Um dia me abordou, entusiasmada: leitor
de Sérgio Sant'Anna, né, espertinho?
Foi
aí que percebi que
ela realmente havia lido. No final da história, eu tinha colocado
uma pequena observação:
inspirado
naquele livro de contos do Sérgio Sant'Anna, do qual ninguém pega
para ler.
Sant'Anna
não é meu escritor favorito, mas me livrou de uma poucas
e
boas na escola, por isso a morte dele foi a que mais me tocou.
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Alessandro
Caldeira
— Jornalista com aposentadoria precoce, se formou melhor no ramo da
timidez, mas desbocado (não é, Clarice?). Para livrar de meus
traumas vejo futebol com frequência, leio compulsivamente sabendo
que nunca vou ser um daqueles personagens já que Belchior está
constantemente nos meus ouvidos, dizendo: a vida realmente é
diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior.
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