Socorro — Adriano B. Espíndola Santos


por Adriano B. Espíndola Santos__

Fortaleza


Manhã de quarta-feira, cerca de 10h. Estava nos confins de casa, mais especificamente cuidado de minha horta, quando, como um vendaval, passou uma ambulância, com a sirene proeminente de dor, abafando qualquer resquício de comunicação. Ouvia-se, tão somente, a sirene quebrar o tempo, voraz. Naquele instante, pensei que se tratava de um novo modo projetado pelo governo, um aviso claro: “Estão vendo? É grave! Fiquem em casa!”. Tentando me dispersar, continuei na labuta prazerosa, que me fazia errar as horas a zelar as plantinhas. Os gatos logo se juntaram e, rolando, brincavam de pega-pega à procura de uma vítima imaginária. Fui levado a pensar na liberdade, que há muito não reconhecia. Os gatos, claro, iam e vinham, num balé constante, calhando de casa em casa; não só os meus, como os oito gatos da vizinha. Todos amigos, unidos, a mostrar uma humanidade que esquecia. Foi aí que, num sopapo que fez os gatos se ausentarem, outra ambulância atravessou; e pareceu que a sirene era ainda mais forte, com um vigor intrigante e ameaçador, alarmando que um paciente grave partia para o hospital, já lotado; que não suportaria ninguém; que a sobrecarga o obrigava a fechar as portas para novos casos; que, inclusive, os abarrotados leitos de UTI estavam esmagando a consciência e a saúde dos profissionais; que estava irremediavelmente colapsado. Ali mesmo, no meu íntimo intramuros, caí aos pés da roseira. Pedi que me sustentasse, que me deixasse ditoso e vivo por uns anos, quiçá, porque precisava crescer com o meu filho, prestes a nascer. A rosa estava inteiramente virada para mim, em atenção plena, a me consolar; disso eu sei. Derramei as minhas fragilidades pelo chão, enquanto os gatos vigiavam, desta feita, a minha esposa, grávida e carente. Não podia deixar que percebesse a minha debilidade desmedida, o meu temor irresistível do futuro. Não pude mais quando uma ambulância rompeu o templo sagrado do silêncio. Talvez fosse a mesma ambulância dando voltas a procura de algum que a aceitasse. Talvez não houvesse alternativa a não ser declarar alto o desastre, o fracasso. Talvez gritasse e suplicasse por socorro, ela que sempre socorrei os humanos ingratos.



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Adriano B. Espíndola Santos. Natural de Fortaleza, Ceará. Autor dos livros Flor no caos, 2018 (Desconcertos Editora), e Contículos de dores refratárias, 2020 (Editora Penalux). Colabora mensalmente com a Revista Samizdat. Tem textos publicados nas Revistas Berro, InComunidade, Lavoura, LiteraturaBr, Literatura & Fechadura, Mallarmargens, Mbenga, Mirada, Pixé, Poesia Avulsa, Ruído Manifesto, São Paulo Review e Vício Velho. Advogado humanista. Mestre em Direito. É dor e amor; e o que puder ser para se sentir vivo: o coração inquieto.