A pesquisa Do gênero performativo às performatividades de gênero propôs a continuidade e o aprofundamento da pesquisa teatral desenvolvida pelo Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido – NEXTO, sobre o universo da violência de gênero. O projeto teve duração de 02 anos e, durante esse período, realizou uma investigação teórica e prática nos experimentos estéticos de teatro apresentando-os nas ruas, praças, mercados públicos, feiras e demais espaços urbanos.
Durante o processo, foram feitas leituras e reflexões sobre o conceito de “performatividade de gênero”. Primeiro, para compreender a ideia de “gênero” e, segundo, a ideia de “performatividade”. Neste estudo, investigamos como a linguagem da performance poderia contribuir para a criação de imagens sobre o tema da performatividade dos gêneros.
Ocorreram encontros focais com pessoas convidadas para dialogarem com a equipe. Realizamos um trabalho corporal na busca de traduzir nos corpos do pesquisador e das pesquisadoras as motivações e os arquétipos do machismo e do patriarcado que alicerçam as desigualdades de gênero.
Na pesquisa, investigamos questões como: Até que ponto uma intervenção de teatro de rua provoca a reflexão do público sobre o tema da violência de gênero? As pessoas se apropriam do discurso da igualdade de gênero a partir do contato com experimentos estéticos que falam sobre o tema? As pessoas contribuem para a igualdade ou reforçam os estereótipos de gênero ancorados no machismo quando entram em contato com situações que evidenciam a violência de gênero? E, sobretudo, como podemos construir imagens com os corpos em cena que funcionem como dispositivos geradores de diálogo sobre os estereótipos de gênero?
A partir dessas provocações, foram criados vários dispositivos que foram testados nas cidades da Região Metropolitana do Recife e em Portugal. Todas as performances tiveram captação de imagens e áudios, que documentaram as experiências para fins de pesquisa e geraram um documentário em três capítulos. Os três capítulos da websérie surgem a partir de performances que se mesclam a entrevistas com pessoas que têm histórias relacionadas aos temas. Seu lançamento aconteceu em maio sábado (23), (30) e 06 de junho e podem ser assistidos pelo site do Nexto (www.nextope.com). Os vídeos também contarão com Legendas para Surdos e Ensurdecidos (LSE). A websérie foi produzida por meio de parceria com Camila Silva e William Oliveira, responsáveis pela filmagem e edição.
Algumas questões guiam os diálogos, como o motivo pelo qual o homem se sente no "direito" de abusar do corpo de uma mulher, o que faz alguém se caracterizar como homem ou mulher e até que ponto estamos presos às identidades de gênero. "Achamos importante ressaltar que a violência contra a mulher não acontece apenas com a presença do homem, mas também se manifesta entre as próprias mulheres quando reproduzem ideias machistas. Foi através do contato com a arte performática que passamos a pensar sobre como a gente performava nosso gênero, sinalizamos situações que nos inquietavam e tentamos desconstruir essa valorização das diferenças de gêneros", ressalta Andréa Veruska, atriz, arte-educadora e uma das idealizadoras do projeto. Os capítulos Perseguida, Mulheres que carregam homens e Devir animal foram gravados entre 2018 e 2019 em diferentes locações, que também reforçam a discussão que cada um traz.
CAPÍTULO I - PERSEGUIDA
“As menininhas são adestradas para nunca machucarem os homens, e as mulheres são enquadradas toda vez que fogem a essa regra”. Essa frase da escritora, romancista e cineasta Virginie Despentes inspira a performance Perseguida. Andréa Veruska veste uma armadura feita com pregos enferrujados para encarar o metrô do Recife. O medo de ser assediada no transporte público e de ser vítima de estupro é tema do capítulo inicial da websérie Ferida. Convidamos Naná Sodré (atriz e arte-educadora) e Gabriela Falcão (jornalista e socióloga) para vivenciarem uma aula experimental numa academia de boxe e conversar sobre Perseguida. Já que a sociedade ensina – há séculos – homens a estuprarem mulheres, as mulheres estão aprendendo a revidar.
CAPÍTULO II - MULHERES QUE CARREGAM HOMENS
O modelo patriarcal sempre serviu de parâmetro para explicar a história da humanidade. As mulheres, invisíveis nesse processo, sustentam a vida. E, nem por isso, exercem poder de dominação no mundo. A sujeição feminina acontece no exato momento em que os homens ditam as regras. Mas quem carrega os homens nas costas são as mulheres. Neste capítulo, conversaremos com Juliana Lins (jornalista e terapeuta holística), Rebecca França (historiadora e artista visual) e Anny Rafaella (artista e produtora). A conversa, regada a cervejas e tira-gostos num boteco do Mercado de São José, no Recife, inaugura nossas questões sobre o lugar da mulher na sociedade patriarcal à luz da performance “Mulheres que carregam homens”.
CAPÍTULO III – DEVIR ANIMAL
O que existe em nós antes de existir o binarismo asfixiante sobre a ideia do que é ser “mulher” e ser “homem”? Existe uma subjetividade forjada a partir da ameaça que sofrem os corpos e as corpas. Devir Animal é uma fotoperformance que surge a partir da aplicação de pelos superficiais nas artistas. A tentativa de retornar a um corpo cru. De maximizar os estereótipos acerca dos pelos. Para esse diálogo, tivemos a presença de Aurora Jamelo (designer e curadora) e Dante Olivier (tatuador e professor de arte) que trazem suas experiências e suas questões sobre corpos e corpas de pessoas cis e trans.
SOBRE O NEXTO
O Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido (Nexto) foi fundado em 2012 pelos atores e arte-educadores Andréa Veruska e Wagner Montenegro, ambos formados pelo Centro de Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro (CTO-Rio), à época sob direção artística do Augusto Boal. Juntos realizam pesquisas, os estudos e as experimentações sobre o método e desenvolvem trabalhos de arte-educação, formação em Teatro do Oprimido, experimentação estética e criações artísticas em espaços sociais e culturais.
Entre as ações já realizadas pelo Nexto, o projeto Descobrindo a Estética do Oprimido que, em 2014 e 2017, formaram e capacitaram professores da rede pública de ensino e educadores populares na linguagem do Teatro do Oprimido em 13 cidades do Agreste, Zona da Mata, Sertão e Região Metropolitana do Recife. O primeiro espetáculo do grupo foi Las Mariposas que surgiu a partir do desejo de retratar a situação de violência contra as mulheres em Pernambuco
Em 2016, o Nexto realizou o projeto Teatro na Prisão: Conexão Brasil e Estados Unidos que proporcionou o intercâmbio o de teatro formado por detentos na Prisão de Segurança Máxima de Auburn (Auburn Maximum Security Prison), uma das mais antigas prisões do Estado de Nova York e facilitado por professores de teatro da Universidade de Cornell e da Ithaca College, em Ithaca, NY, Estados Unidos. No ano de 2018, o espetáculo Las Mariposas fez sua primeira itinerância internacional na República Dominicana. Em 2019, realizaram um laboratório de Teatro do Oprimido para Homens, com 21 homens dispostos a encarar processos criativos de desconstrução de suas ações machistas e patriarcais. Este processo foi documentado e se transformará em um filme-dispositivo que terá o Teatro do Oprimido como ferramenta de diálogo. E recentemente o grupo foi contemplado com o 2º Prêmio Roberto França (Pernalonga) de Teatro na Categoria Iniciativa Coletiva, com o projeto de formação em Teatro do Oprimido.
Serviço:
Site: www.nextope.com
Facebook: facebook.com/nexto.pe/
Perseguida, performance com Andréa Veruska, NEXTO |