TRËMA, novo álbum de Zeca Viana; a dimensão estético-política do home studio


por Divulgação| Mirada




TRËMA é o quarto álbum solo do músico, pesquisador, radialista (Frei Caneca FM), professor e produtor recifense Zeca Viana; um dos nomes importantes da atual música pernambucana, referência nacional em produção musical lo-fi e home studios. Totalmente produzido no Recife Lo-Fi – estúdio caseiro localizado na Zona Oeste da cidade – o projeto começou a ser gravado ainda em 2017, tendo sido finalizado durante a quarentena.
O novo álbum surpreende pela variedade estética das composições; se por um lado a linguagem sonora lo-fi permanece, por outro, novos elementos se somam em uma música bastante fílmica com diversas texturas e camadas em faixas como a neo-medieval “Um Cão Andaluz” (com as flautas de Igor Taborg) e a davidlynchiana “Mistérios no seu divã” (com os vocais de Carol Pudenzi). “Desde 2017 foram muitas madrugadas de gravação. É um processo meio solitário. Mas, consegui contribuições incríveis como Carol (Pundenzi) e Igor Taborg, do Pife Floyd. Pintou a foto da capa com André Sidarta. Kamila (Ataíde) também participou, fez as fotos de divulgação e incentivou o disco a sair”, comenta Zeca.
TRËMA funciona como uma trilha sonora onírica para um filme surrealista com cenas esfumaçadas que passeiam pelo sonho através de guitarras, flautas, vozes reverberadas e sintetizadores. Sentimos muitas camadas entrelaçadas em estilos como o dream pop, shoegaze, kraut rock e a psicodelia que se cruzam em um quadro de rizomas e homenagem a nomes como Robin Guthrie, Wendy Carlos, Angelo Badalamenti, entre outros. Ao todo foram quase quatro anos de produção entre gravação, mixagem e masterização, um processo árduo de trabalho capitaneado por um incansável Zeca que gravou tudo de forma artesanal, sem sair de casa. Partindo da ideia de Jacques Rancière, onde a política tem sempre uma dimensão estética, o músico também utiliza a sua forma de produção caseira para problematizar os meios de produção tradicionais. “Acredito no home studio como um lugar terapêutico, mas também como um objeto de pesquisa; me interessa a questão do fazer artístico. Gosto de compor ao mesmo tempo em que gravo, buscando os timbres, palavras, acordes; é um artesanato sonoro, uma bricolagem, mas também uma problematização sobre os próprios meios de produção”, explica Zeca.
Doutorando em Sociologia (UFPE), mestre em Sociologia da Música (UFPE) e bacharel em Filosofia (UFPE), Zeca vem desenvolvendo um trabalho bastante sui generis desde o lançamento de “Seres Invisíveis” (2009) – seu primeiro e elogiado álbum solo – que foi indicado ao prêmio Aposta MTV e ficou em terceiro lugar na lista de melhores do ano pelo TramaVirtual. De lá para cá são onze anos de estrada e muitas experiências, resultando em uma consistente discografia solo com quatro álbuns. Todos gravados de forma caseira. Seu segundo disco, o “Psicotransa” (2013), foi inclusive produzido na Casa do Mancha, em São Paulo, cidade na qual o músico residiu por quase cinco anos, onde participou de diversos projetos, entre eles a banda recifense Volver e a banda paulistana Labirinto com quem fez uma turnê pelos EUA e Canadá. Além disso, o músico trabalhou com produção ao lado de Paulo Barnabé (Patife Band) e Próspero Albanese (Joelho de Porco). Trabalhou também em diversas trilhas sonoras, entre elas a do filme Billi Pig, com tema para os personagens de Selton Mello e Grazi Massafera. Em 2013 o músico retorna ao Recife, monta seu home studio Recife Lo-Fi, e desde então vem produzindo faixas para outros artistas como Cassiola e Sargaço Nightclub. De lá também vem o programa Recife Lo-Fi (www.mixcloud.com) que é transmitido pela Frei Caneca FM, atualmente chegando na sua segunda temporada com financiamento do FUNCULTURA. Assim, o novo álbum TRËMA chega em um momento bastante profícuo na sua trajetória, mas afinal, o que significa TRËMA?
A palavra trema, no grego antigo, significa abertura, fenda; na psicologia, é o humor delirante que precede o estranhamento do mundo como sintoma da esquizofrenia; no teatro é o sentimento que precede a entrada no palco, é o frio na barriga, é a apofania que arrebata o ator em seu personagem; na língua, é a diarese que altera o som de uma vogal. Assim, esse novo trabalho chega em um momento de ruptura, produzir música em casa se tornou uma necessidade prática de sobrevivência artística. “Hoje, com todo esse isolamento, o home studio é um caminho para a liberdade, pelo menos de produção. Vivemos essa recriação de paradigmas e, para mim, o estúdio caseiro representa esse instrumento estético-político que problematiza os meios de produção tradicionais, abre novas possibilidades de manufatura e consumo da música”, comenta Zeca.
TRËMA foi lançado no último dia 31 de maio, pelo selo Recife Lo-Fi Records com distribuição da Tratore, e pode ser ouvido na íntegra em todas as plataformas digitais.
Ficha técnica:
Produção, gravação, mixagem e masterização por Zeca Viana no home studio Recife Lo-Fi entre abril de 2017 e maio de 2020
Foto da capa por André Sidarta
Fotos do encarte e arte por Kamila Ataíde
Carol Pudenzi - Vocal na faixa 4
Kamila Ataíde - 2ª voz na faixa 1
Igor Taborg - Flautas nas faixas 1, 6 e 9

Zeca Viana - Bateria, teclado, baixo, guitarra, percussão, voz e sintetizadores em todas as faixas.