por
João Gomes__
A
homofobia, quando não mata, diminui a autoestima e agrega medo nas
pessoas. No mercado de trabalho, como em outras camadas sociais, a
sexualidade só interessa enquanto liberdade de expressão,
provocando assim respeito. Assumir ou revelar a sexualidade é algo
que depende da experiência de vida de cada um, afinal isso vem com
naturalidade entre os seus ou diante de todos. A partir de um
desabafo postado numa rede social, conversei por telefone com o ator
pernambucano Pedro Wagner,
que dá vida ao detento Carniça na série Irmandade,
da Netflix. Em contrapartida a determinado público que consciente ou
inconscientemente tem apatia a personagens agressivos, Pedro conclui:
“Já o Carniça possui um carisma, tanto que alguns fãs do
personagem não necessariamente são fãs do intérprete. Porque eu
sou gay, e aí algumas pessoas têm uma certa frustração.”
Pedro,
você nasceu em Garanhuns, interior de Pernambuco. Ainda no curso de
Artes Cênicas (hoje se chama Licenciatura em Teatro) passou a
integrar o grupo teatral Magiluth, do Recife, na época com já cinco
anos de existência e atualmente com 15. Como foi esse atravessamento
geográfico até a chegada a um dos principais grupos de teatro da
capital?
Quando
eu tinha doze anos de idade, assisti Pulp
Fiction e Forrest
Gump no cinema. Minha tia Silvana me
levou pra ir assistir o Forrest e
em seguida fui sozinho ao Cinema São Luiz numa sessão de arte. Fui
tocado fortemente por Forrest Gump.
Depois, quando vi Pulp Fiction,
não entendi nada. Mas alguma coisa ali virou uma chave.
Um
ano depois, na biblioteca da escola, li Nelson
Rodrigues. A primeira peça dele que
li foi Vestido de Noiva,
e aí fui me interessar por teatro. No ensino médio estudei no
Colégio Diocesano de Garanhuns, que tem um grupo de teatro. O Carlos
Janduy e a Sandra
Albino eram as pessoas responsáveis.
Então nesse grupo
descubro que existe um curso de teatro no Recife. Naturalmente faço
vestibular, entro na universidade,
começo a estudar. Não terminei o curso, paguei todas as disciplinas
práticas-teóricas, mas nada na área de educação. Eu tinha muito
medo de me formar e ir por outro caminho. Gosto
muito de ministrar oficinas, mas seria como não poder viver tudo o
que almejava como ator.
No
princípio fui muito pescado pelo cinema, mas o teatro me arrebatou
rapidamente com toda sua generosidade. O teatro aceita e abraça
todos os corpos, todas as cores, todos os gêneros, é uma outra
camada. A tipologia que o cinema pede não é importante no teatro, o
teatro possui outros códigos, a força da presença está num lugar
exorbitante, porque é preciso que a plateia esteja lá com o ator,
divididos. Fui primeiro pescado pela literatura, pelo cinema, e em
seguida o teatro vem e me arrebata.
Consequentemente,
na universidade
conheço os meninos do Magiluth.
Alguns anos depois, após eles terem saído da universidade,
recebo um convite para substituir um dos atores que estava saindo do
Grupo. Eu ia substituir numa peça específica, e acabei ficando. E
aí já se vão dez, onze anos.
Você
conta que a preparadora de elenco da série Irmandade,
transmitida pela Netflix do Brasil, assistiu a todos os trabalhos do
Magiluth. Quando o Grupo percorria o país encenando os espetáculos,
você imaginava que poderia chegar a teledramaturgia da Globo, por
exemplo?
Não,
porque nunca almejei isso. Eu tinha um deslumbramento com o cinema,
depois consequentemente virou algo com o audiovisual mais geral. Na
época que comecei a fazer série eram miniséries tradicionais que a
Globo produzia. E
série era uma coisa que culturalmente não se fazia na televisão
brasileira. O
cinema é ainda uma coisa muito difícil de entrar. Então comecei
fazendo cinema e do cinema fui parar na televisão.
Sim,
a Ana Luisa
é uma produtora maravilhosa, a deusa-mor da minha vida, junto com
outros produtores queridos: o Chico
Accioly, a Marcela
Bergamo, que me viram no teatro
desde o início das circulações do Magiluth
por Rio/São Paulo. Quando estava inserido nesse contexto de viagens
não esperava que fosse fazer algo visual, porque acho difícil. Não
fazia teste porque tinha muita vergonha, não tinha ideia de como
lidar com a câmera. Quando você chega na frente de uma o rolê é
outro, você precisa daquele entendimento de tudo que já tem e que o
teatro te deu. A câmera é invasiva, é como se fosse o olhar do
público que invade todos os seus poros. É uma outra relação, as
coisas tomam outra dimensão. A geografia do corpo muda, se
reorganiza. O que era cutâneo passa a ser subcutâneo. Enfim, são
coisas que só fui entendendo na prática.
Comecei
muito a conta-gotas no audiovisual, fazendo ponta, fazendo elenco de
apoio. Há todo um caminho que pra mim é muito árduo mas ao mesmo
tempo é como um trabalho de carpintaria. Talvez se eu fosse jogado
cru, direto, sem experiência nenhuma com tempo do set, com o tempo
da câmera e da interpretação, no lugar louco que o cinema coloca o
ator, um lugar próximo da realidade às vezes, seria uma construção
fabular diferente.
Seu
primeiro trabalho nas telas foi com o personagem Oswaldo, um
estuprador na série Justiça,
cujo cenário se passa no Recife e também reflete o sistema penal
brasileiro. Já em Irmandade
você dá vida ao detento Carniça. Como você lida com o ódio a
esses personagens?
Sim,
o Oswaldo foi o meu primeiro trabalho em televisão. Já tinha feito
quatro filmes antes até chegar lá. Estava fazendo uma peça do
Felipe Hirsh
em São Paulo, sendo o único trabalho que fiz fora do Magiluth.
Quando eu estava lá, me chamaram pra fazer o teste do Oswaldo, e fui
um dos últimos atores a entrar. Eles estavam com muita dificuldade
para encontrar um ator pra esse personagem, e aí fiz o teste direto
com José Luiz Villamarim.
Quando terminei ele disse: “Pedro,
passa no figurino, bem-vindo”. Foi
o único teste da minha vida que a coisa saiu tão rápida, e eu nem
acreditava, porque as proporções da Globo são muito grandes.
O
Oswaldo foi sim um personagem muito odiado pelo seu contexto profundo
de violência com as mulheres. Já o Carniça possui um carisma,
tanto que alguns fãs do personagem não necessariamente são fãs do
intérprete. Porque sou gay, e aí algumas pessoas têm uma certa
frustração. Nas minhas redes sociais, procurando o Carniça,
encontram o Pedro Wagner. Tive alguns estresses, mas já foi tudo
resolvido em relação a algumas pessoas mais invasivas. Sinto que
são questões diferentes, porque o Oswaldo trazia uma repulsa muito
grande dentro da relação com o espectador. Já o Carniça, por mais
que ele seja mais violento, misógino, é construído dentro de um
aspecto que tem um certo carisma.
Nunca
julgo os personagens, tento entender onde essa violência pode
existir em mim, dela estar adormecida, quais são as similaridades.
Tento não colocar essas figuras no lugar da monstruosidade. Pra mim
elas não são monstros, o que eles fazem na tela são coisas que
pessoas fazem. É reprodução de humanidade. Monstro não existe, o
que existe é gente. Tento entender como que algumas humanidades
chegam nisso, tento ir pra esse lugar pra não achatar os
personagens.
Pra
mim tem um lugar de desconforto na pesquisa, mas não na execução,
porque por mais que seja cansativo gravar cenas de ação, de
violência, tem aí um lugar muito lúdico e uma cumplicidade com os
colegas. Não é violento fazer, é mais violento assistir. Na hora
de filmar a gente se coloca no lugar da imaginação, da
criatividade, do estou
mimetizando algo.
No
vídeo postado em seu Instagram (clica aqui) você dá “um recadinho” sobre a
continuidade na carreira de ator apesar de comentários e mensagens
de ódio pelo destino dos personagens que você vive. Sempre foi
assim, desde o primeiro trabalho nas telas, ou só veio acontecer
agora, com o público assistindo mais a séries por estarem em casa
em decorrência da obrigatoriedade da quarentena? Não que tenha
valor, em que consiste a revolta?
O
que falei ali não era um ódio em cima dos personagens, não era um
ódio com o Carniça. Era uma coisa sobre a minha sexualidade. Fiquei
emputecido em um dado momento, no
dia em que fiz o vídeo, porque tinha sido bombardeado por algumas
coisas. Acho sim que é pelo povo estar vendo mais séries, tem esse
lado também. Não sei em que consiste a revolta, não sei se estava
revoltado, apenas tive um impulso de fazer e fui reativo a alguns
insultos e a algumas ameaças, além de algumas coisas extremamente
constrangedoras e invasivas. Foi um pequeno desabafo que em alguns
aspectos me arrependo, porque as pessoas leem e colocam num lugar
maximizado. Foi apenas uma pessoa física falando um pouco como se
sente. Porque não sou um objeto, existe matéria humana ali, e eu
não sou um jarro.
Seus
personagens no teatro são totalmente diferentes dos realizados no
audiovisual. Primeiro trabalho seu que prestigiei foi a encenação
da dramaturgia do Nelson Rodrigues, Viúva
porém honesta. Quanto ao
estado de êxtase do público que assiste aos trabalhos do Grupo
Magiluth, você costuma dizer em entrevistas do seu aspecto sério e
de dedicação integral ao trabalho de ator. Sempre foi assim ou essa
entrega cresceu com o coletivo?
Quase
sempre. Como o Grupo começou na universidade, teve uma época, em
seus anos iniciais, em que todo mundo estava ainda no meio do curso
ou saindo, ainda boa parte das pessoas morando com seus familiares e
sendo, de alguma forma, subsidiado. Nós todos somos de bairros mais
periféricos de Recife: Massangana, Estância, Ipsep, a gente não
vem de um lugar de classe média. Eu por exemplo fui a primeira
pessoa da família a entrar na universidade pública. Também foi
fruto de um momento específico da política brasileira conseguir
entrar nos canais de empregos, nas universidades públicas. Teve uma
pequena revolução onde fui muito uma semente que brotou flor. Nesse
momento que a gente viveu ali, nos dois primeiros governos do Lula,
eu tava entrando na universidade em 2001/2002.
Teve
uma época, logo quando entrei, que só eu tinha um salário, uma
ajuda de custo muitíssimo baixa só pra poder pagar as passagens. Na
época morava com a minha tia, que dizia: “vai lá, faz isso, e eu
vou segurando aqui”. Mas acho que só precisou disso por seis
meses, porque depois já estava se pagando todo mundo, tínhamos
aprovado o edital Rumos Itaú
Cultural Teatro. Foi ali que a gente
se profissionaliza no sentido de sobreviver do nosso ofício enquanto
integrantes do Grupo Magiluth.
Então a gente se segurou muito, e por muitos anos tudo que entrava
no Grupo virava salário. Até hoje ainda é assim. Não importa se a
gente faz vinte apresentações num mês ou nenhuma apresentação, a
gente tem o mesmo salário. O que sobra, o que é muito raro, vira
caixa e investimento. Muitas peças que a gente montou do nosso
repertório foi com dinheiro de caixa.
Somos
muito apaixonados pelo que fazemos, e acho que o público sente essa
paixão. A gente é quente, é líquido e, claro, temos uma
linguagem. Não tenho pesquisa, eu não sou pesquisador, não sou
acadêmico. Tenho uma prática e uma construção de linguagem que se
dá através da minha vivência cotidiana no palco em dez anos
ininterruptos. Então isso pra mim é um bom estofo, e a gente
trabalha basicamente com o mesmo elenco esse tempo inteiro, então é
óbvio que a gente construiria uma linguagem.
Quando
você assistiu pela primeira vez, no Cinema São Luiz, ao filme de
Tarantino, Pulp Fiction,
você se imaginou um dia fazendo personagens violentos? Criar um
personagem totalmente diferente de sua persona faz com que o trabalho
se torne mais difícil?
Nunca
pensei nisso, mas tem todo sentido. Gosto muito de filme do gênero,
e o Tarantino
mistura todos num filme só.
Sempre
achei que a pele, a carcaça e a aparência não combinam com o que
tenho dentro. Demorei
muito pra perceber que tenho cara de carcamano, que posse ser duro,
grosso, mas por dentro sou muito mole. É uma moleza meio crustáceo,
como seu eu fosse uma lagosta. A minha imagem é meio pesada, só
hoje que entendo mais de onde vem isso. O Pulp
Fiction foi um filme muito definidor
pra mim. Mas sem sombras de dúvidas é mais difícil. Queria sim
receber personagens perto de mim. “Me
dá uma bichinha pra fazer de cotovelos para dentro, porque é o que
eu sou”, mas não me dão. E pelo
visto não me darão, se bem que eu adoraria.
Primeiro
tenho que entender o que essas pessoas estão vendo. Só hoje que
tenho mais traquejo pra fazer essa arqueologia interna e entender o
que querem de mim, porque não percebia que tinha tudo isso. Ao menos
não me entendia como material apto para dar vida a esse tipo de
energia, o que vira um grande desafio. Carniça foi uma coisa assim.
Sempre olhava pro Pedro Morelli
e dizia: “é isso mesmo, é isso?”. Acho que só vim aprumar e
ficar mais confortável já no meio das filmagens, porque no começo
era difícil. Eu tinha medo de ficar duro, de ficar caricato. Porque
você está fazendo algo que é um tanto alienígena, que está
adormecido e que precisa chafurdar em lugares recônditos para
encontrar aquilo ali. “E essa energia, onde é que tá? Onde que eu
já me vi com esse sangue no olho que esse personagem tem?” Então
desloco essa energia. Já briguei por alguém, já sofri um insulto
muito grande na rua, já me vi assim em situações em que a cabeça
ferve. Tentar lembrar que energia era essa, que sensação era essa,
como é que meu corpo ficava, qual era a sensação. Já senti meu
rosto em brasa, e precisava sentir meu rosto assim lá com o
personagem. Nunca senti pelos motivos que o Carniça sente, mas sim
por outros.
Então
você vai puxando, porque a gente é cada um uma biblioteca, um
museu, um emaranhado de memórias que não sabemos como acessar. Nós
atores somos treinados de alguma forma para isso. É o material que
me constitui, não é só essa carcaça, não é só o que vocês
veem. Para que o que está externo tome vida, é preciso existir todo
um mar interno que vira tsunami, que vira furacão, que viram ondas
suaves. Então tem todo esse caminho e sim, dá muito mais trabalho.
A
rapidez com que a linguagem do audiovisual chega às pessoas é muito
potente. Você acredita que a sociedade possa um dia despertar da
letargia que em alguns aspectos se encontra? Ou seria o
entretenimento apenas uma forma de se ver num espelho e rir do
próprio destino?
Olha,
sou muito pessimista, então não acho que o audiovisual tem o poder
de resolver tudo. Ao mesmo tempo tem, porque a arte é
transformadora. Acho que o entretenimento é uma coisa, e a arte é
outra. Você não sai de uma grande peça, não termina um grande
livro, um grande filme, não termina de ouvir uma grande canção do
mesmo jeito que estava antes.
O
entretenimento é feito mesmo para adormecer. Quando consegue trazer
uma reflexão, ou quando traz ambições artísticas e essas ambições
se concretizam na tela, uau! Mas não é uma obrigação, e não nos
enganemos, não é obrigação do entretenimento, ele não tem
obrigação de ser arte, nem a arte tem obrigação de ser
entretenimento. Em tese deveria ter sim a obrigação de ser arte,
mas a gente sabe que não, a gente sabe que na maioria das vezes só
serve à publicidade. Mas quando essas obras de entretenimento, que
acabam tendo um largo alcance, conseguem trazer discussões
pertinentes e momentos de beleza, aí eu acho importante. Então é
preciso entender que as coisas são diferentes, e que arte não tem
obrigação de entreter. Tem sim obrigação de transformar e detonar
reflexões.
É
por isso que quando o mundo fica reacionário, a arte é uma das
primeiras coisas que começam a ser vetadas, porque ela que puxa a
sociedade pra frente e não o entretenimento. Quantas obras têm os
temas certos, as pautas certas, mas artisticamente são vazias? Então
acho que essa equação é difícil, e quando a gente fala do
audiovisual ele se dá em muitas etapas e é muita gente trabalhando
em consonância.
Você
poderia definir o que seria ser um ator em tempos de cancelamentos,
boicotes e censuras à liberdade de expressão e o quanto o
capitalismo tem de armadilhas para a sobrevivência de quem paga as
contas através da arte e ainda é chamado de “vagabundo”?
Acho
que os cancelamentos e os bloqueios tendem a acontecer porque as
coisas se dão caso a caso. A liberdade de expressão me preocupa
mais, e acho que isso acontece porque a arte está sempre na
vanguarda. Quando o mundo fica reacionário, a arte é retalhada.
Sempre digo que a gente é barata, a gente é carrapato, por isso
resistimos e não há como nos silenciar. E essa coisa do bloqueio,
do cancelamento, para mim são coisas diferentes. Não sou uma pessoa
muito do Instragram, dessas redes, e às vezes esses cancelamentos se
dão por lá e acabam reverberando em trabalhos que a pessoa perde.
Confesso que não conheço ninguém perto de mim que tenha vivido
isso, imagino que seja muito complicado, mas que tem também muito a
ver com as próprias práticas.
E
é muito louco, porque como a gente é uma sociedade punitiva, de
alguma forma isso é positivo porque faz as pessoas repensarem mais
as suas práticas. Como o ser humano é miserável e ele só se
repensa a partir da possibilidade de ser punido, talvez isso tenha
ganhos extremamente positivos.
Como
você percebe o interesse de atores que escolhem esta profissão
sobretudo para afirmar a sexualidade, jamais encarando papéis como
os que você se propõe e, no seu caso, sem parecer caricato e ainda
provocando reações no telespectador? Querendo ou não a gente faz
no teatro não o que a gente quer, mas sim o que o diretor propõe?
Não
tenho uma opinião sobre isso, teria que perguntar pra eles e ver por
que agem assim. Não
conheço ninguém que age dessa forma. Porque a gente é diverso,
existe todo tipo de ator.
Sobre
fazer o que o outro propõe, não necessariamente. Posso
fazer o trabalho com o diretor mais obsessivo e controlador do mundo,
que ainda assim o tempo da respiração sou eu que dou. Por mais que
ele tente controlar isso, é dentro de mim que tudo está
acontecendo. Acho que sempre temos espaço, independente com quem se
esteja trabalhando.
Na
minha prática teatral isso não se dá. No Magiluth existe uma linha
de criação extremamente horizontal, assim como a própria linha de
gestão do grupo. Então por mais que eu esteja dirigindo uma peça,
sou uma parte do grupo, não me sento num trono e dirijo aquelas
pessoas. Muitos que trabalham nesse entendimento perceberam que a
dinâmica de construção é completamente coletiva. O diretor está
ali do lado de fora, às vezes ele é um maestro que organiza como um
integrante e não como uma pessoa sentada hierarquicamente num trono.
As nossas práticas no Magiluth só existem porque somos atores
criadores. A gente não se homogeniza,
não tenta dar essa homogeneidade nas interpretações, respeitamos a
diversidade de cada um, e isso gera linguagem. E ainda assim tem o
lugar do até onde vou, aqui acho a minha liberdade, o meu espaço, o
lugar que é meu, do ator. Todo mundo vai encontrar esse lugar, mesmo
na produção mais opressiva. Já estive em produções muito
controladoras, como já estive em outras muito livres. Claro que
quando está livre é muito prazeroso, mas também é uma confusão
às vezes, porque a liberdade dentro do processo de criação pode
ser muito confusa. É sempre uma equação, e um diretor lida muito
com linhas, ele as organiza no espaço, por possuir esse olhar de
fora. Ou mesmo que esteja no elenco, porque eu mesmo já dirigi peça
do Magiluth
fazendo parte do elenco, então não dá pra dizer que é uma coisa
ou que é outra.
Por
exemplo, todo grupo de teatro deveria ser observado de dentro, porque
é um grande exercício de democracia. Vivemos um processo de
individualização profundo, e não acho que rola assim. A gente se
entende enquanto ser inserido na coletividade. É assim que funciona
pra mim e sou muito feliz e privilegiado de viver isso com o
Magiluth,
esse exercício cotidiano e eterno e que nos atravessa muito em cima
do campo do afeto. Bom, isso não quer dizer que não tenha briga, e
que a gente não queira se matar às vezes.
Aproveitando
para saber de seus próximos trabalhos e projetos, o que podemos
aguardar mesmo com a tomada da quarentena dificultando a vida de
todos?
Tenho
três longas para estrear em algum momento, um se chama “Curral”
do Marcelo Brennand,
o outro se chama “Serial Kely”
do Renê Guerra,
e tem outro que não posso falar muito porque está em fase de
filmagem. A gente teve uma primeira etapa de filmagem e depois
retornaremos em algum momento que não sabemos quando. É uma
produção que passou por esse processo de deterioração da
Ancine, que começou a ser feito num
momento em que o Brasil já estava tendo seus artistas, sobretudo no
audiovisual, sendo retalhados. Estou também no elenco de “Segunda
Chamada”, que era o que estava
gravando quando deu a pandemia, e a gente está pra voltar assim que
possível. E também vou estar na segunda temporada do “Arcanjo
Renegado”. Tem aí mais alguns
outros projetos, mas que não posso falar.
Pedro Wagner com o Grupo Magiluth e Trailer de Irmandade.
_____________________________________
Pedro
Wagner entrou para o
Grupo Magiluth
no ano de 2009. Compõe
o elenco dos espetáculos ATO (2009),
Um torto (2010) como
dramaturgo, O canto de Gregório
(2011), Aquilo que o meu olhar guardou para você (2012),
Luiz Lua Gonzaga (2012),
Viúva, Porém Honesta (2012),
O Ano em que sonhamos perigosamente (2015)
como diretor, dramaturgo e ator.
Em Dinamarca (2017)
trabalhou como diretor.
Atuou no espetáculo
“A tragédia latino-americana” de
Felipe Hirsch
(2016). No
audiovisual atuou nos longas “Reza a lenda” (2015),
“O Roubo da Taça” (2016),
TOC (2016), Tungstênio
(2018) e na minissérie
“Justiça” (Globo, 2016)
e na supersérie "Onde
nascem os fortes (2017)".
Foi também produtor e
preparador de elenco para a série “Fim do Mundo”
de Hilton Lacerda
e Lírio Ferreira.
Atualmente faz parte do elenco
da série Irmandade,
na
Netflix. Fotografia: Cacá Bernardes
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João
Gomes
(Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de
literatura e publicadora Vida
Secreta. Participou
de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de
poesia.