por Branca Sobreira__
Chego de um final de semana relaxante à beira do lago, só eu e meu cachorro, deu para adiantar algumas páginas do meu novo romance, a editora vai ficar satisfeita, vou conseguir entregar esse rascunho antes do final do prazo. Depois que me separei ficou difícil escrever, mas os finais de semana na casa do lago me deixam menos ansiosa e com vontade de colocar os sentimentos no papel. Meu cachorro, Elias, sempre me acompanha, é um beagle idoso, mas ainda com alma de caçador. Mesmo com a visão debilitada pela catarata avançada, não deixa de correr pela grama atrás dos patos.
Nas duas horas de viagem de volta para casa, escutei Beatles, Rita Lee, fumei um cigarro, enquanto Elias dorme no banco de trás do carro. É bom viajar, mas voltar para casa é divino. Nada como a imagem dos meus livros e minha cama sob a luz do sol da manhã. Estaciono, subo as escadas, moro no terceiro andar e não tem elevador no prédio. Elias sobe ofegante a cada degrau, mas quando alcançamos a porta de casa ele balança o longo rabinho em reconhecimento. Ouço um barulho estranho por trás da porta e penso que talvez meu ex-marido tenha esquecido algo e veio buscar enquanto estava fora de casa. Tento me arrumar, ajeito o cabelo enquanto olho meu reflexo pela tela do celular, suspiro alto e abro a porta.
A casa está uma bagunça, todos os meus livros no chão, as plantas reviradas, quando olho para o canto da sala, um bicho de pelo cor de rosa e dois olhos gigantescos olha de volta pra mim. Ele está com as páginas do meu último livro na boca, mastigando. Elias late, eu grito e fecho a porta. O vizinho ouviu meu berro e saiu do seu apartamento. Um jovem de uns vinte e cinco anos, corpo musculoso, usando jeans, mas sem camisa, pergunta o que houve. Eu, tremendo, tento explicar, mas digo que é melhor ele mesmo ver a coisa. Bravamente, abre a porta do meu apartamento e passa alguns minutos lá dentro, escuto baques e objetos tombando. Ele volta com um olho roxo e diz sério “É um Elogolof médio que invadiu a sua casa”.
— Que?
—É um Elogolof médio! – repete
De tanto nervoso comecei a rir muito alto e depois chorar. Ele me abraçou
— Está tudo bem esses bichos são vegetarianos, não fazem mal nenhum.
— E esse seu olho roxo?
— Eu corri atrás dele, tropecei em uma planta e cai de cara na quina da mesinha de centro. Ele é gordinho e fofo, mas corre como um coelho. Vamos entrar no meu apartamento, faço uma água com açúcar pra você e pesquisamos mais sobre ele.
Descubro que um Elogolof é um mamífero, herbívoro, que gosta de comer plantas e páginas de livros. É originário da Tanzânia, pode ser azul bebê, amarelo, verde e os mais raros são cor de rosa. São bichos que sentem que as coisas estão fora de ordem e aparecem magicamente nos lugares. Não se sabe ao certo como eles desaparecem, mas não podem ser expulsos ou o proprietário do local pode ser amaldiçoado com azar eterno.
Descobri que o nome do meu vizinho é Mateus, descobri também que temos muito em comum. O gosto por livros, música, filmes, falei do meu divórcio, meu ex não queria filhos, ele falou da infância conturbada pelas brigas dos pais, que nunca se separaram. No dia que o Elogolof apareceu eu me mudei para a casa dele. Seria só por alguns dias, que viraram, semanas. Minha rotina (e do Elias) se acomodou bem ali, quando precisava de algo Mateus ia em meu apartamento pegar. Um dia, tomei coragem para entrar no apartamento dominado pelo Elogolof, o bichinho estava tomando sol na varanda, me aproximei na ponta dos pés, toquei seu pelo rosa, que hoje estava mais vivo do que nunca, rosa choque, senti vontade de acaricia-lo em meus braços, ele pulou quando me viu e depois veio ao meu encontro, bem mansinho, peguei em seu pelo macio e ele fechou os olhinhos sentindo prazer com o carinho. Depois se aproximou e disse “amor”, e fez puf, desaparecendo e me deixando sozinha na varanda.
— É, é amor – refleti.
* Fotografia: Ewan Yap (@ewanyap)