por Taciana Oliveira__
Entrevistei a poeta e artista visual cearense, Ma Njanu. Na pauta o lançamento do seu livro “Olho de tigre com fome: considerações sobre a literatura perversa”, um projeto com financiamento coletivo. Para participar da campanha e adquirir a obra: https://abacashi.com/p/olhodetigre
1- O que o leitor vai encontrar no "Olho de tigre com fome"?
R. Possibilidades de novas experiências, não apenas literária, mas política, sexual, afetiva. São poemas e textos que falam de ruptura, rompimento, desmantelo e também retomada, “o que é nosso não será tomado pela chuva”. Para além do erótico, nele início a construção da literatura perversa, que tem consciência do próprio desejo, percebe as amarras e estereótipos que tentam lhe sabotar e nega isso de forma aberta, é neste sentido a perversão: muito diferente da perversidade. É um baile no velho mundo, uma rasteira na norma. Questiona e tensiona o espaço da cisgeneridade ao qual também estou imersa e confronta a hipersexualização e desumanização da afetividade às quais, nós mulheres negras, somos relegadas. No Olho, vocês verão como a fome pela destruição é uma tecnologia de produzir prazer-e-liberdade.
2 - Você é uma artista da periferia de Fortaleza. Fazer parte desse contexto influenciou ou ainda influencia a sua trajetória na poesia e na arte colagem?
R. Fundamentalmente, sempre influenciou e influencia, porque crescer num ambiente em que as desigualdades sociais e raciais querem determinar sua criatividade é um desafio. Lembro de escrever sobre pobreza ainda na infância… e como os Racionais dizem quando cantam a vida: você tem que ser duas vezes melhor. Mas fazer isso com, pelo menos, cem anos de atraso é um trabalho. A minha escrevivência tanto na poesia quanto na colagem denuncia essa disparidade, mas principalmente celebra a minha vida, da minha comunidade, negra, do axé, sem tempo pra pensar no que o racismo projetou pro nosso futuro, a meta é essa. A periferia, a cada dia mais, sabe que ela é um centro e recusa a assimilação. Tem muita gente que entende o mecanismo, por isso a arte é tão importante, porque liberta, porque afeta desde a criancinha até os nossos que já se foram. É ancestral.
3 - Você considera que a literatura erótica ainda é um tabu nos meios acadêmicos?
R. Não sei te dizer a respeito dos meios acadêmicos porque já não estou lá, não sou de lá nem produzo pesquisa pra lá. Mas em qualquer lugar, a literatura erótica é um tabu quando é feita por uma mulher negra, por pessoas trans, travestis, por lgbt’s, deficientes, indígenas e tantos outros grupos historicamente oprimidos. Não é um tabu quando a heteronormatividade ou a indústria pornográfica faz o seu trabalho, por exemplo. Eu penso que este tabu é uma nuvem de fumaça bem densa pra esconder e impor como normal a moral conservadora da sociedade colonial, que é extremamente violenta. Existe uma economia-política-cultural racista da sexualidade, no entanto os corpos dissidentes já estão tratando de desmantelar isso.
Instagram: @ma_njanu |
4 - Você é idealizadora do Clube de Leitoras na Periferia de Fortaleza e da Pretarau – Sarau das Pretas, coletiva de artistas negras. Fala da sua experiência na criação desses dois movimentos.
R. Estas coletivas surgiram como uma forma de incentivar a literatura e a arte de mulheres nas periferias. O clube de leitoras surgiu no ano passado, assim como a Pretarau, e realizamos encontros para leitura, debate e celebração da literatura feita por mulheres apenas nos bairros distantes do centro da cidade. Mas desde a pandemia não conseguimos mais nos encontrar no clube, algo que me entristece e também motiva a procurar novos meios de continuarmos nos encontrando. Quem sabe nos próximos meses?
A Pretarau tem sido uma experiência de produção de vida e de futuro. Eu poderia falar qualquer outra coisa, mas o sentimento maior é este: de uma coletividade que ousa pensar um futuro melhor, onde nos agenciamos, exercitamos a auto-organização e busca mobilizar ações contra o racismo, o machismo e a lgbtfobia. Apesar do contexto de pandemia e do acirramento das dificuldades que enfrentamos como artistas negras, temos seguido trabalhando, o símbolo mais recente disso é a antologia de poemas que lançamos no mês passado, Ofò, que está disponível pra download no nosso blog; além dos saraus e outros projetos desenvolvidos durante esse período. Cada preta segue também com seu trabalho independente e na coletiva nos somamos para nos fortalecermos, uma vez que não existia ainda nenhum coletivo de mulheres negras-artistas-periféricas aqui em Fortaleza.
Igbá Orí Inu, Mo wá, colagem, 2020 / Ma Njanu |
5- Como a pandemia "apressou" o lançamento de "Olho de tigre com fome"?
R. Com a falta de grana. Não é preciso nem dizer muita coisa, rs. Num cenário mais geral vimos os corpos mortos a se amontoar, o crescimento do desemprego, das demissões, da flexibilização dos direitos do trabalho, da violência doméstica e policial; do alto custo de vida até nos itens básicos de alimentação; do crescimento de adoecimentos mentais. Surgiram editais para artistas em situação de vulnerabilidade, mas quando não se direcionaram apenas para quem não estava vulnerável, eram tratados técnicos super difíceis e higienistas... enfim, um desastre. Mas com o Olho eu reafirmo, assim como Fanon, que não sou prisioneira da História e não é nela que tá o sentido do meu destino, pelo menos não nesta História. Ser artista independente é criar estratégias de reexistência e novas formas de solidariedade coletiva, então é um lançamento coletivo, que se apressa porque há pressa de viver. Pra mim o Olho é isso.
6 - Como você percebe o cenário literário para as escritoras independentes?
R. Cada vez mais difícil. Agora com este processo de taxação do livro, o cenário é tenebroso. Isso pra não falar da conduta criminosa do governo federal de forma geral em relação ao povo, aes trabalhadores. Como sempre digo, precisamos reivindicar mais fomento público à literatura, especialmente fomento com prioridade para mulheres negras, trans, periféricas, índigenas. Ocupando os fóruns de deliberação e proposição das políticas culturais. Que os editais sejam mais acessíveis, menos focalistas e que se aposte na construção de coletivos e parcerias, afinal ser uma escritora independente é isso, ninguém chega em lugar nenhum sozinha.
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não sucumbir a nada além de mim, colagem digital com poesia/ Ma Njanu |
Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.