A cafeteira italiana e outras paragens | Mô Ribeiro

 por Mô Ribeiro__




A cafeteira italiana é uma panela de pressão de fazer café. Tem três andares. No primeiro, o térreo, começa a suadeira. Em seguida, o suor se mistura ao pó, habitante do segundo andar. Por fim o vapor se liquidifica novamente em forma de café, no terceiro e último pavimento. Os dois primeiros pavimentos são fundamentais para que se constitua a trindade que faz a bebida.


A apatia é uma panela de pressão disfarçada. Parece que tudo é silêncio, mas não. Há ali um andar no qual nada é dito: o subsolo. Porém, o térreo (ou o aéreo?) tem vários pavimentos, e cada um é um pensamento. Sim, tudo vem do vapor do subsolo, falso mudo. Sob pressão, os pavimentos-pensamentos se fazem simultâneos, embora nem sempre numa mesma língua. Algo feito a Torre de Babel.


Por falar em andar, todos os dias vejo o andar dos gatos nos telhados da vizinhança. Tão silenciosos eles são. Mexo com eles mas não sustento o olhar que me devolvem. A Torre de Babel me fala – e eu entendo – que não há como encarar um gato por muito tempo.


Falando em olhar, tenho olhado muito as coisas. A panela de pressão de fazer café, a gataiada no telhado, meu corpo. Tenho olhado também meus pensamentos. Torre de Babel que meu inconsciente sabe decifrar. Eu não; não sei.


Eu? Meu inconsciente é um dos meus eus. E eu que me entenda com ele, tão fugidio, tão mascarado. É preciso aprender a falar em línguas na Torre.



*Foto: Mauricio Artieda




Mônica Ribeiro, ou Mô Ribeiro, é mineira de Belo Horizonte. Arquiteta de formação, descobriu-se poeta por insistência do inconsciente. Participou da antologia É Urgente o Amor, Edições Vieira da Silva, Portugal, e também da Antologia Ruínas, da Editora Patuá. Foi publicada pelas revistas Caliban, Germina, Literatura & Fechadura, Mallarmargens e Revista de Ouro. Publicou seu primeiro livros de poemas, Paganíssima Trindade (2020), pela Editora Penalux. Veio ao mundo em 1971 e deu trabalho para vir à tona: o parto foi de fórceps. A escrita, ao contrário, vem nas contrações que dão à luz seus poemas. Partos rápidos, mas não sem dor, e depois o cuidado com a cria. Assim é sua escrita.