por Taciana Oliveira__
Nos idos de 2007, após longas conversas com o poeta Walter Ramos de Arruda, nascia Davi Andante. Um projeto audiovisual mambembe, um road movie agreste, uma caixa de referências poéticas e visuais. Da reunião de artistas, agitadores e sonhadores brotava o desejo de conceber uma peça que refletisse a nossa inquietação artística, o nosso olhar sobre as influências culturais que nos cercavam. Criado sob uma abordagem onde o roteiro dialogava com cenários reais, Davi Andante ganhou coração na delicadeza e nobreza do cavalheiro, hoje rebatizado, Alexandre Salomão, na beleza e carinho de Lilian Kellen, na maestria e cumplicidade de Adriano Cabral e Quiercles Santana.
Cruzamos ruas, estradas, manguezais…. Dormimos em escolas e pousadas. Não dormimos. Celebramos, brigamos, “perdemos” os arquivos originais dessa ousadia audiovisual, pois decerto não acreditamos no verso que o poeta, Walter Ramos de Arruda, doou sem revelia:
Segreda a manhã na claridade do dia;
enfeita a virtude de estar entre viventes.
Atenta em respeito ao pão diário e ao leite.
Impinge em alguém o sereno, o sublime;
sem esforço um sorriso acontece.
Serve dos pulmões a forma inteira,
exalta uma vez por dia a esfera celeste.
Jamais se lança em treva completamente
(é força agreste – o princípio da queda).
Em muitos dias não cabe a vida toda.
Um dia vem plena toda a vida inteira.
É mistério perene. Cada um é retalho
do tecido vasto. Um fio em cada astro.
Segreda: também tenho a minha estrela.
Viver era agridoce, era um incêndio à luz do dia. Davi Andante é herança não póstuma de uma equipe que ganhou o mundo em encontros e desencontros, mas que ainda respira, mesmo que se negue, o frescor do amanhecer nas cidades de Rio Formoso e Catende. Dentre tantos personagens desta caminhada, a narrativa pujante de Zé Mário Austregésilo ainda brilha em nossas almas. Davi Andante do mesmo modo é um exercício sonoro. São quase 56 minutos banhados pela composições musicais dos grupos Zambiola, Azabumba, Forró de Cana e Parafusa. Atentem para a interpretação vigorosa de Ana Talita para o poema de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), musicado por André Maria.
Davi Andante, em sua artesanalidades técnicas e escolhas de produção, talvez possa se apresentar hoje como uma peça que merece ser revista na sua concepção. Mas entendo, sem mágoas, que neste caso "o passado é uma roupa que não se veste mais”. Os acertos e desacertos dessa obra me conduziram para outras performances. Sou grata por cada encontro desse percurso. Quando resgatei essa única cópia, sem tratamento, voltei a um tempo onde viver era a única consequência. Ressalto o apoio incondicional de Vicente Júnior, fundamental para a realização dessa história. As imagens que se revelam na fotografia de Marcelo Lira são o legado desta experiência. Talvez, quem sabe, Davi Andante desperte novamente a perseverança em nossos sorrisos.
Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.