Escrever é talvez nossa maior aposta existencial | Wellington Amancio da Silva

 por Taciana Oliveira/Rebeca Gadelha__

 



Conversamos  com  o  escritor alagoano e  criador  das Edições ParresiaWellington Amancio da Silva. O resultado desse nosso bate-papo virtual rendeu uma rica entrevista. Poeta, músico e professor, Wellington  reflete: Segui à prática de versos modernos e nunca me adequei plenamente à poesia de cordel aqui vigente. Trabalhei em silêncio, procurei gente parecida comigo. Na verdade eu nunca soube como e onde me encaixaria.


1-  A realidade, muitas vezes, é matéria prima para o artista, você diria que a situação política e social do Brasil influenciaram a sua escrita?


Conforme certo modelo, diz-se que a matéria prima para a escrita está condicionada, por assim dizer, ao horizonte possível de alcance da percepção e ideação do escritor. Me refiro a este óbvio para reafirmar aquele “dito”, quase utópico, de que não há limites, dentro do bom senso, para a escrita tomar o que deseja como matéria prima, ou objeto da sua arte — antes, é uma questão do desejo. Mas, esta é uma visão romântica da autonomia do escritor, visto que o objeto da realidade, “objeta”, o “incomoda” ativamente. Ainda que muito centrado num projeto alongado, o escritor metódico se inquietará com o “diabo no olho do redemoinho”, rodando à sua janela. Os acontecimentos o agarram pelo pé — ainda assim ele pode ser seletivo em relação aos fatos. É impossível ficar indiferente à situação política e social do Brasil. A questão é de que modo “acomodar” certos elementos da feiura do tempo presente dentro do verso sem que este desande. Há vias de ação mais efetivas, quando se pensa em “alcance e audiência”. O momento urge postura, mesmo que aparentemente as categorias tradicionais da teoria política, não apresentem explicações razoáveis, eu acho. O tema é árido, mas não dá para ficar em cima de um muro que já não existe. De todo modo, a literatura é política por si mesma, no sentido aristotélico, e é política forte, de destronar reis de carne e osso, e reis imaginários, sobretudo os reis internos, subjetivados.

Há de se considerar o que nos disse Jorge de Lima, que “o artista tem a sua realidade própria, não estando sujeito a nenhuma exigência”. Tentei compreender como esta realidade se processava em mim, no “inventário” de o reneval (2018). Em As fiandeiras tramam cores que doem nos olhos (2020) — uma espécie de “retrospectiva existencial e familiar” —, eu quase me convenci de que nada mudou, como se certas forças operassem historicamente de muitos modos, a partir de variadas justificativas, todavia com objetivos que se repetem idênticos na história. Em alguns contos de Apoteose de Dermeval Carmo-Santo (2019) há um desejo de fuga, de tangenciar-se para bem longe do “redemoinho”, sem covardia ou dissidência, apenas como um passo à utopia, que é a representação honesta do desejo do melhor, dentro deste mundo social repleto de dificuldades para nós.


2 - Explica pra gente sobre o seu processo criativo no que se refere a estrutura e a estética dos poemas.  Fala um pouco se há autores que você considera que te influenciaram de alguma forma.


Quanto às possibilidades do processo, o oficio de editor me facilita a vida, no que diz respeito à viabilidade de execução de um projeto e do exercício de liberdade à escrita. As possibilidades são amplas, visto que geralmente publico meus próprios livros, todavia, antes submetendo alguns dos seus textos ao escrutínio de amigos, professores e revistas especializadas. Escrevo no computador, em formatos específicos (geralmente 14 x 21 ou 16 x23), enquanto estruturo o livro em seus diversos elementos internos e externos. Imprimo uma cópia na minha impressora e reviso, depois imprimo e reviso, imprimo e reviso, até me faltar a paciência de São Graciliano Ramos.

Quanto à forma, gosto de criar a partir de duas estruturas, geralmente no âmbito do chamado verso livre: a primeira retém estes versos dentro de estrofes mais ou menos rítmicas e estruturadas, ao modo como aprendi em Bandeira e Drummond. A segunda forma é levada pela ordem das representações poéticas dentro de uma frase, e geralmente independe do tamanho e do “fôlego” desta frase. Eu ainda tento, na medida do possível, preservar ou reinventar algo da dicção sertaneja, sem vias de regra — funciona mais como um elemento da minha realidade. Quando escrevo, eu busco a “diferenciação”, ou mesmo o estranhamento, que pode estar imantando à estrutura de um verso, à estrofe, ao poema ou a todo o conjunto, assim como pode ser entendido nos jogos de metáfora. Não penso muito na lírica como penso em certos aspectos do romanesco. Ultimamente busco um hibridismo entre verso e prosa, especificamente da prosa na estrutura do verso. Na medida do possível, o conceito geral da obra influencia, em boa medida, sua estrutura e estética.


Do ponto de vista conceitual e estético, há o que eu posso humildemente chamar de epistemologia metafórica, sustentada em duas colunas: a) o uso sedimentado de elementos da ironia, da autoironia e do tragicômico na qualidade de alusão à nossa decadência cultural; b) um inventário mais geral do nosso entendimento acerca da modernidade sertaneja, fenômeno concomitante, obscuro, avulso, polissêmico, sofrido, mas insistente”.

Além de Drummond e Bandeira, transito cotidianamente por Ledo Ivo, Jorge Cooper, Mário Quintana, Jorge de Lima, Patativa do Assaré, Carlos Nejar, Edmilson de Almeida Pereira, o interessante Iacyr Anderson de Freitas. Tenho lido Marília Garcia, Leo Barth, António Barahona, Angélica Freitas, Haroldo de Campos, Paulo Leminski, Murilo Rubião, Luís Miguel Nava. Me inspiram ainda Gramiro de Matos, James Joyce, Santo Agostinho, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger, Konstantínos Kaváfis, Paul Celan, Mallarmé, José Lezama Lima, Luiz Ruffato, João Antônio, Derek Walcott e meu pai.







3 - Como nasce a editora Parresia? A gente sabe que, ser autor independente no Brasil é um desafio, até o momento, qual foi a tua maior dificuldade nessa jornada?


A editora é um projeto de 1997 consolidado em 2018. Mas, antes de apresentá-la, preciso fazer uma breve introdução ao contexto que vivencio. É importante salientar que minha condição de “nascido e criado” num município do interior das Alagoas não me impediu de escrever pacientemente e de transcender, ano após ano — há outros aqui neste mesmo ritmo e pensamento. O lugar onde habitamos tem seus espaços de dificuldades e deszelo à memória e à cultura, e quase não há interesse no intelectual, exceto pela presença da nossa universidade, a UFAL, o grupo de estudo NELA, a Revista Caburé. Dito isso, o projeto de editora buscava reunir pessoas envolvidas com a escrita e a arte em geral (ainda que estas pessoas preferissem trabalhar sozinhas). Há um fenômeno interessante em nosso meio, de pessoas escrevendo por anos a fio e acumulando cadernos manuscritos. No meio destes, além dos excêntricos — efeito do nosso autodidatismo —, vimos gente escrevendo boa literatura (segundo nossa concepção de boa literatura). Vimos também alguns escritores atravessarem décadas de ostracismo e sumirem para sempre. Nesse período havia um mar de indiferenças. Havia uma muralha quase intransponível, burocrática, entre o manuscrito datilografado e o livro impresso. Até o final da década de noventa, os custos de uma publicação eram muito altos. A Internet abriu portas. O projeto da editora se arrastou pelos caminhos burocráticos e pela falta de dinheiro. Eu estava ciente de que pequenas editoras poderiam causar prejuízos. Não me importava. Hoje temos mais de 20 títulos publicados, sem exaurir os autores. 20 livros parece pouco, mais é um milagre.


A editora é a nossa tentativa mínima de burlar aquela indiferença institucional às pequenas manifestações da cultura moderna no cerne da urbanidade do sertão contemporâneo. Num ambiente historicamente dependente do sistema de “apadrinhamento romano” na política, ser independente — protagonizar um conceito literário e abrir espaços a este conceito — é mais importante do que ter pouco dinheiro para publicar. As coisas acontecem lentamente, mas acontecem.


Nossa editora é um espaço metódico de publicação. Desejávamos algo mais “orgânico” e dialógicos. Assim, quando percebemos que tínhamos textos suficientes, inclusive publicados em revistas, fundamos o grupo de estudo Arborosa, com mais dois nefelibatas, Mayk Oliveira e Leo Barth. Em seguida, o grupo consegui agregar pessoas, do interior à capital, a partir da primeira coletânea de novos poetas alagoanos (2019), fora do circuito de publicações oficiais. Vimos a possibilidade de trazer a arte à realidade concreta, por obra das mãos, do olhar, da emoção e dos comentários dos amigos. Como resposta às nossas dificuldades, escrever é talvez nossa maior aposta existencial.


4 - Quando e como se inicia o teu percurso como autor. Como se inicia a tua história na poesia e na composição de textos literários?


As estantes de livros eram os elementos da paisagem doméstica. Ao lado da minha antiga casa, na Rua do Correio, havia uma biblioteca pública. Cresci ouvindo meu pai falar de filósofos e literatos (naquela época eu vivia bisbilhotando sua coleção incompleta de Os Pensadores, da Abril). Li tudo que me chegou às mãos, entendendo ou não (nunca soube se não entender era ruim). No final da década de 90 eu já trafegava sozinho pelos alfarrábios de Maceió. Me marcaram, Sísifo no Espelho, de Iacyr Anderson de Freitas; Poemas sobre a morte, de Terezinha Russo; Claro Enigma, de Drummond; Finisterra, de Ledo Ivo e História da Literatura Brasileira, de Silvio Romero. Eu imergi nestas referências a ponto de não mais saber divisar o leitor do escrevinhador. Estes me ensinaram algo da forma; Nietzsche e Dostoievski me ensinariam alguns outros conceitos — mesmo não os entendendo de todo, ali, eu achava bonito... e já percebia a transgressão, de modo que esta tinha a função de panaceia às condições existenciais daquele meu tempo. Em 2001, na universidade, eu pude estruturar e consolidar minha “vontade de literatura”. Neste mesmo ano eu publico Elegia da Imperfeição de forma artesanal. E alguém disse: “Este teu nome grande e comum não vai deslanchar. Não é nome de escritor.”. Eu disse: “Eu sei, eu sei...”, nunca quis ser um Sidney Sheldon. A partir 2014 ocorreram as primeiras publicações de artigos acadêmicos e textos literários, mas a coisa toda precisava melhorar. Sobre tal período, há mais o que se contar. Mas enfim, essa relação entre escrever e publicar é essencial para mim. Jean Paul observou que livros são como cartas para amigos.


5 -  Teus poemas, algumas vezes, exploram espaços do sagrado e profano em vivências que se perderam na memória (como memórias de infância), tecendo-os em um poema narrativa e trazendo elementos de música, como em
As fiandeiras tramam cores que doem nos olhos. Como você se organiza para “desenhar” o poema?


João Cabral de Melo Neto disse uma vez que escrevemos por “excesso de ser, ou falta de ser”. Eu acredito mais no caráter da ausência de ser, especialmente porque a ontologia do sujeito se condiciona ao gesto da escrita, sua dimensão especular, sagrada e profana. Ainda hoje a escrita é a condição duradoura para dizer, é a que mais resiste. Para o sujeito não é suficiente a experiência da presença das coisas e da presença corpórea de si no mundo. É preciso dizer o que elas são, mais ou menos ao estilo da “busca de sentidos” de Arthur Bispo do Rosário — tocá-las sem dizê-las não é senti-las. Me parece que nos interessamos mais pelas coisas abstratas, que nos rendem eternos exercícios de conceituação de mundo. Não é suficiente a linguagem do pensamento ou a oralidade. Este vazio que se instalou, penso, em consequência da saturação da “cultura de sentido” — como nos disse Hans Ulrich Gumbrecht — parece apenas querer demandar para si mais e mais sentidos. Logo, no âmbito da minha vida interior, compreendo esse desejo, de fixidez das coisas por meio de narrativas, como uma forma de amenizar a transitoriedade da memória e superar a pequenez do meu universo topológico. O desejo de narrativa é mais ou menos “táctil”, retirando “concretude” das palavras.


Quanto ao “desenho” do poema, dificilmente não tomo nota de insights e reflexões mais acuradas. Busco ter disponível a maior quantidade de anotações possível, e a análise de tais anotações é parte do método de “desenho” do poema. Para isto, há certa facilidade em fazer dialogar o tempo, a reflexão e as leituras, no plano do texto desenvolvido. A experimentação também tem sua valia, na qualidade de conceito de um livro, ou mais ou menos como “método estilístico”. No livro que você menciona acima, tentei, por exemplo, verter uns microcontos à forma do verso livre. Ainda acrescentei música e notas musicais; há referências à tragicomédia, há autoironia, e constam uns elementos memorialísticos. Deu no que deu... estou ainda reorganizando meu estado de espírito.


6 - De que maneira a sua formação acadêmica está inserida no seu universo criativo?


Me lembro de uma entrevista Lêdo Ivo em que disse que os temas do poeta são os mesmos, desde Ovídio. A diferença da boa poesia é tratar destes temas com dicção nova — me parece que esta dicção nasce de um estado de espírito conhecido pelo poeta no horizonte de suas experiências de reflexão. Para além da formação (que nos dispões da técnica) está a vida aquilatando o espírito do escritor. Nesse sentido, minha formação reflete-se principalmente no uso de temas não ortodoxos, mas isto não é uma regra geral. Acho que a vida é o elemento mobilizador dos dois aspectos presentes em sua pergunta.


Ainda a relação entre realidade e vocação e as possibilidades do lugar, me levou a um caminho interdisciplinar de formação (pedagogia, filosofia e ecologia). Na melhor hipótese, este pode significar e fornecer uma certa “bagagem de conteúdos”, disponível a um desenvolvimento talvez muito específico da escrita, ainda que eu não apenas escreva ficção. O que mais gosto nesta condição de hibridismo é o gosto por fazer dialogar universos aparentemente distintos, como experimentei, por exemplo, em Diálogos com Sebastos (2015). Elementos de outras epistemologias e metodologias podem funcionar bem no campo da ficção, a exemplo de Método da Exaustão, de Manoel Ricardo de Lima e JBG, de Victor H Azevedo.


7 - Quais obras de outros autores você destacaria como necessárias para sua formação?


Aqui, segue-se uma pequena lista, de memória, e bastante eventual, de alguns livros que se tornaram constantes (incluindo os autores que já referenciei). Por exemplo, Grande sertão: Veredas e os contos de Guimarães Rosa são para mim, oráculos. Catatau, de Leminski é uma obra-prima da narrativa febril, neobarroca. Temos a Odisseia e a Ilíada, de Homero; Os romances de Dostoievski, após a prisão; A Trilogia Tebana, de Sófocles; os três livrinhos de Murilo Rubião; os três livros de José J. Veiga; Ao menos as Ficções e O Aleph, de Borges; Sexus, Plexus, Nexus, de Henry Miller. Reconheço que Húmus e Pobre de pedir, de Raul Brandão oferecem uma prosa poética repleta de tragicidade. Ainda temos 2666, de Roberto Bolaño. Angústia, de Graciliano Ramos, e Memórias Póstumas de Brás Cubas.




8 - Como o leitor pode adquirir os seus livros? Você comentou que está preparando o relançamento de alguns títulos. Quais são?


Há alguns títulos disponíveis no site da editora www.edicoesparresia.com.br e em algumas livrarias. Se preferir, uma simples consulta no Google ajudará a me encontrar. Muito me agradaria a possibilidade de dialogar com o leitor.

Estamos reeditando Apoteose de Dermeval Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela (2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001).


9 - Você está trabalhando em algum novo projeto?


Estou concluindo um livro de versos, intitulado: os outros, argila marrom sertão. A força com que este livro nasceu está ligada à leitura de O método da exaustão, de Manoela Ricardo de Lima.

Estou concluindo a revisão de um livro de prosa, intitulado Tebeltezer, que pode ser lido como um romance acerca da história de um homem de pouca estatura, espirituoso e bastante viril, para o qual orbitam situações diversas, inspiradas em fatos reais. Com ele há um padre cético que o adotara no passado, seus amigos e inimigos muito presentes em seu trabalho, e até em casa, e há mulheres com as quais ele se envolveu de muitos modos. Em síntese, trata-se da histórica acerca da insistência de um homem, cheio de vícios e virtudes, em manter-se lúcido, num mundo desencantado e absurdo.


10 - No posfácio de Elegia da Imperfeição você diz: O verso é o reverso de um silêncio bem acomodado. O verso é a saída para respirar, quando é-se leitor demais e “leitor apenas”. E por ser “demais” e” apenas” isto, é preciso escrever.” 

Como você avalia os primeiros anos da sua produção literária? O Wellington de ontem reverbera no de hoje?


Respondo-lhe antes as duas primeiras perguntas. Após, comento as frases do posfácio.

Acerca dos meus primeiros anos de produção, eu temia que fosse visto no texto, pelos outros (ainda que não houvesse ali nada de conteúdo confessional). Mas, logo estaria sossegado, pelo fato de o poeta não ter exposição, sobretudo no interior. Segui à prática de versos modernos e nunca me adequei plenamente à poesia de cordel aqui vigente. Trabalhei em silêncio, procurei gente parecida comigo. Na verdade eu nunca soube como e onde me encaixaria. Nunca pensei em me atrelar a uma categoria geral de escritores, caso houvesse uma.


Parece engraçado, mas, por muito tempo eu escrevia sozinho. Acumulava na gaveta os manuscritos de livros concluídos, não publicados, muito mais por um desejo lúdico, talvez, de “ter uma obra” (capa, sumário, capítulos, conteúdos) para consultar e revisar infinitamente. Eu comecei jovem em 1997. Como é natural, isto se deu rabiscando versos com os amigos, numa mesa de boteco. Produzi quase diariamente, até 2001. Após, escrevia esporadicamente.


Sobre o mote no posfácio do livro Elegia da Imperfeição, eu sempre estive convencido de que a escrita desvela, naturalmente, as condições de comodidade, no sentido de estagnação do ser, e acho que o lugar de conforto, que é lugar comum, nos envelhece mais que o tempo e a gravidade. A escrita antes lançar luz sobre aspectos da existência do autor, pode se prestar a um exercício de escrutínio do ser — este fim pode parecer algo salvacionista ou romântico, mas apenas parece, no entanto, eu reconheço a lacuna entre subjetividade e sua representação escrita. Para mim escrever era a melhor maneira de enfrentar o incontornável, a própria vida. Uma hora ou outra você se descobre na mais desvelada nudez de espírito (a escrita é um bom instrumento de incursão e enfrentamento). Acho que em algumas situações não há máscara que resista no rosto de quem escreve. Escrever desnuda. Milton Hatoum disse que a escritas, isto é, “o romance é uma devastação”. Estes pensamentos marcam minha trajetória.


11 - Filosofia, música e artes plásticas dialogam com a sua escrita.  A geografia multicultural do homem nordestino te impulsionou para o mundo literário?


A geografia multicultural do homem nordestino é uma condição marcante da nossa existência. O Nordeste é uma espécie de encruzilhada, e apesar de estarmos no sertão (que significa desertão) sempre nos enxergamos a partir de uma tendência cultural cosmopolitana. Falei sobre “níveis de urbanidade” nos interiores dos estados nordestinos, marcadamente presentes a partir da década de 70 — o que significou uma nova “rodada” cultural de perfil norte-americano. Hoje há uma disposição crescente à homogeneização das culturas, pela adoção de uma cultura de massa, e há um estranhamento da parte de muita gente das antigas. Por exemplo, nós pertencemos a uma geração anterior, que era obrigada a processar novas informações, tendências e valores, utilizando-se do repertório disponível — a busca pela compreensão do mundo ao redor foi uma busca midiática televisiva e textual e imagética, talvez delirante. No entanto, devido a chegada tardia da universidade, muito da literatura era feito através de autodidatismo, intuição e até loucura. A hermenêutica do sujeito nordestino se agita nesse jogo, entre a compreensão de mundo enviesada na escrita literária e o saber formal da academia. Lenda, fábula, metáfora e alegoria se combinam à razão consolidada e ao fato vivido. Impossível resistir ao desejo da narrativa.



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Wellington Amancio da Silva nasceu em 1979, em Delmiro Gouveia, Alagoas. É professor graduado em Pedagogia e Filosofia, e tem mestrado em Ecologia Humana. É músico multi-instrumentista e produtor musical. Publicou-se: Ontologia e Linguagem (2015), Pensar a Indigência com Michel Foucault (2018), Gumbrecht leitor de Heidegger (2019) e Conceito de modo de convivência (2018), além de dezenas de artigos científicos. Em literatura publicou-se: Apoteose de Dermeval Carmo-Santo (2019), O Reneval (2018), O Quasi-Haikai (2017), Epifania Amarela (2016), Distímicos e Extrusivos (2016), Diálogos com Sebastos (2015), Primeiros poemas soturnos (2009) e Elegia da Imperfeição (2001). Editor das Edições Parresia. É membro da equipe editorial da Revista Utsanga — Rivista di critica e linguaggi di ricerca.





Rebeca Gadelha
nasceu no RJ em agosto de 1992, cresceu em Fortaleza, na companhia dos avós. Geógrafa sem senso de direção, artista digital, é apaixonada por animes, mangás, games e chá gelado. Tem medo de avião e a única coisa que consegue odiar de verdade é fígado. Foi responsável pela diagramação, ilustrações e concepção visual em Manifesto Balbúrdia Poética: 80 tiros (CJA Editora), Coordenação, Designer e ilustrações em Laudelinas (Editora Nada Estúdio Criativo), O amor nos tempos de lonjuras e Travessia (Selo Editorial Mirada). Participa da coletânea Paginário (Editora Aliás). Atualmente escreve para as revistas do Medium Ensaios sobre a Loucura e Fale com Elas sob o pseudônimo de Jade.





Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.