“O
Deserto dos Cães” reúne peças acusmáticas produzidas pelo
compositor Valério Fiel da Costa ao longo de duas décadas. Juntas,
desenham uma trajetória que atravessa boa parte dos terrenos da
música experimental produzidas no Brasil. Reunidas em suas nove
faixas, Valério segue o caminho contrário das produções
acusmáticas repletas de aparatos tecnológicos e cede lugar à força
poética das músicas e os mundos desconhecidos que elas nos revelam.
Bexigas, copos, papel e lápis, sinos, lixeiras (e ocasionalmente
algum instrumento musical propriamente dito) são aqui captados com
microfones embutidos no computador e softwares gratuitos.
As
faixas do disco “O Deserto dos Cães” trazem um recorte
dessa longa trajetória, e são portanto também um importante
documento de uma música contemporânea brasileira que, embora
gestada e fermentada nas universidades, ainda é ignorada pela maior
parte das instituições e departamentos de música no país. O selo
Fictício tem o prazer de disseminar essa importante e prolífica
parte da música brasileira.
Valério
Fiel da Costa - Paraense de nascimento, Valério Fiel da Costa
deixa Belém para estudar composição na UNICAMP em meados de 1995.
Lá, fez parte de uma geração de alunos que decidiram abandonar de
vez a referência cega aos clássicos, a canonização de técnicas e
a apatia que eram a essência da vida do compositor na academia.
Tomando a iniciativa, ocupando os laboratórios de música
eletroacústica da universidade e criando grupos e coletivos.
inquietos e prolíficos, Valério alicerçou sua posição na cena da
música contemporânea que vazou dos muros da universidade para
inferninhos como o célebre Plano B do Rio de Janeiro ou o Ibrasotope
de São Paulo. Mesmo a forte atuação de Valério na cena musical do
Sudeste foi em boa parte um reflexo de suas experiências em Belém
e, posteriormente, em João Pessoa. Ainda em Belém, funda com Fábio
Cavalcante o grupo Artesanato Furioso, que produzia concertos de
música contemporânea em porões, cemitérios, galpões, teatros e
pontes suspensas. Em 2010, muda-se para a Paraíba para dar aula de
composição na UFPB. Depois de um período de atividade em grupos
como o coletivo COMPOMUS ou o grupo de música eletroacústica Log3,
reativa o Artesanato Furioso transformando-o em grupo de pesquisa e
performance com alunos e professores dos cursos de música, dança e
teatro. Longe dos laboratórios e estúdios mais bem equipados de São
Paulo, a produção eletroacústica de Valério nessa fase é quase
toda caseira, construída com elementos e técnicas simples, mas que
constroem mundos e paisagens profundas, cuidadosamente povoadas com
monstros de mitologias desconhecidas. Quatro dessas produções de
sua fase paraibana está no disco “O Deserto dos Cães”.