O fantasma Indignado | Valdocir Trevisan

 

por Valdocir Trevisan__


Oscar Wilde


Adoro a máxima de Epíteto, onde ele diz que um mesmo fato pode ter visões antagônicas. Sempre cito essa frase do filósofo. Não é o fato que nos afeta mas a maneira como encaramos o problema. Quando li essa expressão pela primeira vez, absorvi sua essência e nunca mais esqueci. Sua força semântica me impressionou mudando até algumas das minhas ideologias.

Ora, se os acontecimentos nos atingem como nos interpretamos, então nossos medos estão incluídos nessas encruzilhadas. Ansiedades também. E preocupações também.

Que coisa...

Oscar Wilde tem um conto que elucida ainda mais esse raciocínio.

E se sua obra prima "O Retrato de Dorian Gray" chocou uma sociedade conservadora típica do final do século XIX, outros contos seguiram esses conceitos, de frear o modismo hipócrita da época.

Num desses contos, ele insinua que deveria voltar à Corte "pois sei que sou destinado a causar furor no mundo". E causou mesmo.

Ainda vou falar mais sobre Dorian Gray nos próximos textos. Porém, no momento vou falar do conto "O Fantasma de Canterville", onde identifiquei uma correlação de Wilde com Epiteto. Wilde narra uma história de uma mansão mal-assombrada onde um fantasma aterroriza seus moradores há 300 anos. Quando uma nova família compra a mansão, eles simplesmente ignoram o fantasma.

O novo proprietário diz que fantasmas que aparecem para preludiar a morte de alguém, nada mais é a mesma coisa do que quando o médico da família aparece nas mesmas circunstâncias.

Quando ele "vê" o fantasma pela primeira vez, "um velho de aspecto pavoroso, com olhos vermelhos como carvão em brasa, cabelos grisalhos escorrendo pelos ombros em cachos emaranhados e com pulsos e tornozelos onde pendiam correntes pesadas e grilhões enferrujados", seguiu sua vida normalmente.

Aliás, sabem o que o ministro (o novo morador), fez? Disse para o fantasma usar um lubrificante chamado Sol Nascente em suas horríveis correntes.

O Fantasma ficou indignado, e para piorar sua situação, dois pirralhos gêmeos, filhos do ministros, atiraram travesseiros que passaram zunindo sobre sua cabeça. Que desmoralização.

Era ofensa demais para ele que acabou fugindo, atravessando paredes. Em outra aparição, os gêmeos armados com suas zarabatanas, acertaram duas pelotas nele, enquanto o ministro apontava jatos de água resultando num forte resfriado no infeliz fantasma.

Percebem a metáfora? Depois de 3 séculos, as armadilhas fantasmagóricas não estavam mais funcionando diante dos novos moradores, que não acreditavam no terrível fantasma.

Lembrando Epíteto, valeu a forma como a família encarou a situação. Sensacional.

Depois de três semanas o fantasma voltou, sempre depois da meia-noite, mas precavido para não ser surpreendido pelos pestinhas dos gêmeos e armações do ministro.

Aliás, o fantasma já acusava sintomas de agitações nervosas.

Psicólogos e psiquiatras (além dos escritores de auto-ajuda), acompanham Epíteto e revelam que nossos medos seguem esses passos. Como encaramos e enfrentamos nossos dramas vai definir a sua relevância..

Sim, é isso mesmo, eis o caminho, encarando as dificuldades, podemos reverter quadros assustadores.

Outro exemplo: dois grandes empresários faliram, um virou alcoólatra e o outro, um ano depois, já estava reconstruindo sua vida. O problema foi o mesmo, mas cada um seguiu sua vida conforme sua visão.

Quanto ao Fantasma de Canterville, o coitado chegou a um descrédito tão significativo, que em certo momento, desistiu de assustar os novos moradores.

Oscar Wilde revela todas essas facetas humanas e existenciais num pequeno conto. Aí reside a genialidade dos grandes autores.

Em uma das últimas tentativas, um revólver do ministro foi suficiente para uma correria do fantasma acorrentado e apavorado.

Uma filha do ministro ainda tentou consolar o desgraçado pois segundo ela, com ele "descobriu o que era a Vida, o que significava a Morte e porque o Amor é mais forte que ambos".

Com o passar do dias, as indignações e pavores da família foi transportado para as correntes do infeliz fantasma.

A literatura tem realmente poderes extraordinários não é mesmo?

Além de entretenimento, educação, e tudo que já sabemos de sua magnitude, possui uma força em suas palavras que fazem nossas vidas tornar-se mais sólida (desculpa Baumam), com poderes curadores.

Como diz o ditado popular, podemos fazer do limão uma limonada e deixar fantasmas indignados.





Valdocir Trevisan
é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui