por Taciana Oliveira_
No último mês de setembro recebemos de Andréa Veruska, uma das fundadoras do NEXTO, Núcleo de Experimentações em Teatro do Oprimido, uma sugestão de pauta para o Mirada. Ela encaminhou para nós um email de Alessandro Conceição, parceiro do coletivo em um dos seus projetos formativos. Segue abaixo trechos da mensagem:
"Sou Alessandro Conceição, moro no Conjunto de Favelas do Viradouro, em Niterói, RJ. Entro em contato solicitando apoio para divulgar o ato que realizamos no sábado, 5 de setembro: a OCA - Ocupação Cultural Artística do Viradouro contra a Ocupação Policial que estamos tendo desde o dia 19 de agosto, mesmo o STF proibindo operações em favelas durante a pandemia.
A nossa 1ª edição da OCA foi um ato de força, solidariedade e paz. Conseguimos realizar nossa Ocupação Artística com grande adesão do Viradouro. A Associação de Moradores, a Escola de Samba Folia do Viradouro, a organização Favela e Arte tornaram o evento maior com seus apoios e estruturas. A organização foi toda conduzida pelas mulheres do Viradouro. Pedimos, que se puderem, colocá-las em destaque para fazer jus a toda essa força. Começamos o evento com Pula, Pula, Cortes de Cabelo, Cortejo pela Rua Mário Vianna com os instrumentos da Folia do Viradouro. Apresentações de poesia/slam, de música com o cantor Buiú, performance teatral Suspeita, com as mulheres do Morro da União, dança, cachorro quente e a barraca de produtos de Cíntia Gonçalves. Tivemos ainda a doação de livros para as crianças.
No próximo sábado, dia 12, a edição da OCA acontecerá no pico do Morro da União, uma das localidades do Viradouro. Na programação teremos uma grande feijoada e a presença das moradoras mais antigas do Morro. Elas contarão a história de como foi iniciada a ocupação no território e da luta para se apropriar do mesmo. Roda de samba e pagode encerrará essa edição.
Solicitamos esse apoio, pois Niterói é uma das melhores cidades em qualidade de vida do país, mas a mais segregada racialmente do Brasil, uma das maiores do mundo nesse quesito. O racismo estrutural genocida segue firme por aqui.
A proposta de ocupação artística é uma forma de protesto das moradoras do Morro da União, no Viradouro, que desde o dia 19 de agosto sofre com a presença policial, apesar do o Supremo Tribunal Federal ter proibido operações policiais nas favelas do Rio durante a pandemia do coronavírus.
Essa nova versão de violência estatal foi um pedido do prefeito Rodrigo Neves (PDT), que teria se reunido com o governador afastado Wilson Witzel (PSC) para iniciar esta ocupação, mesmo o STF proibindo operações em favelas.
A ocupação revela todo o machismo e racismo estrutural que há na cabecinha dos homens que nos governam. Tentando reagir a tudo isso, uma mulher negra em conjunto com outras mulheres negras, procuram alternativas para desocupar essa ocupação. Por medida de segurança, esta mulher evita dizer seu nome. E novamente assistimos a violência silenciando o protagonismo das mulheres negras.
Este recente caso de violência do Estado começou quando um prefeito (um homem branco), decidiu desafiar um traficante de uma favela. Um homem branco? Mestiço? Claro? Brasileiro? Não, um negro. O prefeito, este um homem branco, que se reuniu com um governador, (outro homem branco) e juntos com um coronel e comandante (mais um homem branco) de um batalhão da polícia, decidem ocupar militarmente um território que não é deles. Enviaram quase uma centena de homens majoritariamente não negros (eu não vi nenhuma mulher policial na minha favela) para o território essencialmente habitado por mulheres negras. E nenhuma dessas mulheres foi consultada sobre essa ocupação policial.
“Não dá mais para continuar desse jeito. Precisamos fazer alguma coisa”, disse a mulher negra cria da favela e atuante do Teatro das Oprimidas. E assim se inicia o primeiro passo para a revolução contra esse movimento que ainda acontece em nosso território.
(...)
“Precisamos fazer alguma coisa. Assim não dá mais para ficar!”, repetiu a mulher negra cria e criada do lugar. E na segunda-feira, ela começa a pedir lençóis e com tintas e pincéis improvisados escreve: #LARDEMORADORARESPEITE.
Ela pergunta para suas vizinhas se gostariam de participar da ação e de colocar nas janelas a intervenção. Desconfiança, medo de retaliação, ironia, desprezo e até citações de violência doméstica são as respostas recebidas por ela: “Oi, eu até gostei de ter pintado com você, mas conversei com meu marido e ele achou melhor não participar”.
Mas a mulher negra não desiste e procura parceiros para filmar o protesto no dia 26 de agosto. O vídeo viraliza na comunidade. Suas vizinhas decidem ir na sua porta para pedir um lençol e também colocar nas suas janelas. As mulheres do Morro vizinho ao verem os lençóis pendurados e o vídeo circulando nas redes sociais, pedem para que seja feita a mesma ação em seu território. Uma semana depois, no dia 02 de setembro, acontece a mesma ação e outro vídeo é gravado. E agora são mais mulheres que colocam lençóis em suas janelas."
Então é a partir desse email que acontece o nosso “encontro” com Alessandro Conceição. Depois de algumas conversas pensamos como estruturar o apoio do Mirada para denunciar as agressões promovidas pelo Estado na região. O resultado vem com a proposta de se fazer uma matéria ou criar uma publicação que revelasse o impacto da ocupação policial e as ações de protesto desenvolvidas pela mulheres negras naquele território. As narrativas seriam concebidas por figuras centrais do movimento e pelos moradores responsáveis pela herança histórico-afetiva do Complexo do Viradouro.
Planejamos que a data de lançamento do projeto deveria acontecer no dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, uma solicitação do próprio Alessandro.
Na concepção visual e design gráfico do projeto contamos com a colaboração valiosa da artista visual, Rebeca Gadelha, Celebrarmos hoje toda essa coletividade com o lançamento do e-book Oca - Ocupação Artística do Viradouro: A gente pela gente!
*Download: clica aqui
* Para conhecer o Teatro do Oprimido:
#LARDEMORADORARESPEITE
Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem