por Raimundo de Moraes__
HODIERNA, ODIOSA
(e possivelmente outros perfis randômicos)
Quando visitou o Recife lá pelos idos de 1823, a escritora, pintora e historiadora inglesa Maria Graham ficou encantada com os sobrados do Recife e os seixos vindos do mar que apareciam em relevo nas estreitas calçadas da cidade. Já o seu conterrâneo Charles Darwin, quando forçosamente visitou o Recife em 1832 – ao encerrar sua visita-pesquisa pelas Ilhas Galápagos ventos contrários o empurraram para o litoral pernambucano – achou a cidade horrível e imunda. A coisa foi bem mais interessante para Mário de Andrade, quem em 1929 se jogou no carnaval recifense, acompanhado por Ascenso Ferreira e Cícero Dias. Sobre essa experiência regada a éter e cocaína, Mário classificou-a de “loucura formidável”. E o que dizer da definição de Albert Camus, quando, entediado em sua viagem pela América do Sul, em 1949 esteve no Recife e disse que a capital pernambucana era a Florença dos Trópicos? Talvez a cúpula da Basílica da Penha lhe tenha trazido lembranças da majestosa igreja Santa Maria del Fiore (aliás, o projeto da igreja, ali vizinha do Mercado de São José, é de autoria de um italiano, um tal de Frei Francesco).
Recife e suas caras. E suas histórias – algumas perpetuadas dentro de uma História maior, outras já esquecidas ou nunca contadas. Uma cidade anfíbia que às vezes parece caminhar indolente entre o mangue e o asfalto; outras vezes parece revelar-se em mosaicos antropomórficos – ou uma sinhazinha bocejando em alguma janela de Apipucos, ou crianças morenas fazendo das muradas das pontes trampolins para o Capibaribe, ou um vendedor de cuscuz carregando seu asseado tabuleiro de metal.
A capital de Pernambuco ruge e urge. Conectou-se pomposa com o futuro através do seu midiático Polo Digital – mas aprisionou-se em ilusões através de sucessivas administrações que nunca valorizaram, de maneira prática e abrangente, o seu enorme patrimônio histórico e cultural. E a maquiagem de tentar vender a cidade para o turista estrangeiro não esconde suas mazelas mais profundas – nas favelas ribeirinhas as ratazanas roem a possível esperança de dias melhores.
Estes atores, estes cenários, estes roteiros que vão mudando através das décadas, podem servir de mote e entendimento para a mais diversificada coletânea de prosa e poesia sobre ou com o Recife como referência. Reciframes é o filme de todos nós, desses autores maravilhosos que aceitaram a proposta da editora digital Mirada em contribuir para (a impossível) tarefa de apreender um momento de vertigem ou de memória de uma cidade que ainda não tem definição exata no dicionário.
E a claquete bate e rebate, senhoras e senhores. Estamos todos em close-ups, mesmo escolhendo os bastidores como refúgio. De alguma maneira vocês irão se encontrar numa frase ou numa imagem do Reciframes. Esse fluxo intenso que move a metrópole e seu fragilíssimo destino à beira-mar. E nós, artistas/escritores rebeldes/aventureiros navegando contra a corrente. Nosso mapa tem como destino a liberdade. Ainda. Ou sempre.
Raimundo de Moraes
Participam:
Alexandre Figueirôa
Alexandre Furtado
André Balaio
Adryenne Myrtes
Cícero Belmar
Cida Pedrosa
Cleyton Cabral
Everardo Norões
Fábio Andrade
Flávia Gomes
Fred Caju
Geraldo Maia
Hector Pellizzi
João Gomes
João Paulo Parisio
José Maria Rodrigues
Lula Falcão
Manoel Constantino
Marcelino Freire
Márcia Maia
Marcos Alexandre Faber
Marcos Polo Guimarães
Odailta Alves
Pedro Américo de Farias
Renata Pimentel
Samarone Lima
Socorro Nunes
Susana Morais
Valmir Jordão
Weydson Barros Leal
Wilson Freire
Fotografias: Priscilla Melo e Taciana Oliveira
Design Gráfico: Rebeca Gadelha
Organização: Raimundo de Morais
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