Salomé, de Iaranda Barbosa


por Patrícia Gonçalves Tenório__




Domingo. Seis horas da noite. Passeio pelas ruas do Recife Antigo com meus filhos e a cachorrinha labradora Preta. As ruas estão vazias por causa da pandemia de Covid-19 que assola não somente a cidade, mas o mundo inteiro.
Procuro os cenários, as paisagens de uma novela histórica que acabo de ler e que me deixou desconsertada. Trata-se de Salomé, de Iaranda Barbosa.
Acompanho a história de Felipe Alencar Paes como se fosse a minha. O personagem, muito bem construído por Iaranda, nos convida a nos colocarmos em seu lugar, vestir a própria pele e incorporarmos o destino de um poeta fracassado, que apenas consegue inspirar-se no amor impossível.
Logo no início da novela, ele encontra a sua musa, Leila Marinho Nunes Gomes de Sá, e inicia o jogo de sedução que perpassa as ruas do antigo Recife, que se junta ao Recife Antigo que hoje percorro, como se fossem o Beberibe e o Capibaribe formando o Oceano Atlântico, como se fossem duas pontas de uma vida. Encontramos os dois personagens principais em um sarau na residência dos Vasconcelos Albuquerque. Felipe apresentando os seus versos, pouco promissores na opinião de Leila, que acabara de chegar de Paris – a mesma Paris copiada e admirada pelos habitantes da Ribeira de Mar dos Arrecifes dos Navios.

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É notória a aproximação com o gênero fantástico e as narrativas resgatadas por Gilberto Freyre, em Assombrações do Recife Velho. 

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As duas pontas da novela estão muito bem amarradas. 

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O significado do título da novela se fecha, como as duas pontas de uma vida: Salomé. Talvez seja essa a inquietação que me acomete e me faz percorrer, em um domingo à noite, as ruas quase vazias dos mesmos cenários da narrativa de Iaranda. A autora consegue, de maneira pungente, nos transportar para a Recife dos oitocentos e explicar muitos dos nossos males atuais, tal como as inundações em tempos de tempestade na cidade abaixo do nível do mar, tal como o bairrismo exacerbado dos pernambucanos que serviriam de exemplo para o mundo (oh, pobres de nós!), tal como a constatação aterrorizante da artificialidade da Arte, e que, possivelmente, não somos tão bons artistas assim, não escrevemos tão bem assim, até nos dobrarmos de joelhos, com um mar de sangue inundando nossa boca, mas, como poetas insistentes que somos, pois não temos outra alternativa, sussurramos: “– Sempre há uma saída*”.

Patrícia Gonçalves Tenório, Recife, agosto de 2020

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*Trecho do texto originalmente publicado como posfácio.

 

Salomé, Iaranda Barbosa, Selo Mirada, 2020

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Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. A referida novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.




Patricia Gonçalves Tenório é escritora e doutora em Escrita Criativa (PUCRS).