Toda palavra sentida | Betocello, Rosa Morena e Emanoel Figueiredo

 

por Kelsen Bravos__





Toda Palavra Sentida reúne três vozes que irrompem do turvo e pandêmico caos. A arte em cada voz incorpora o silêncio como expressão para além e aquém-verbo, são assim poéticas ilhas semióticas. Nelas, a Poesia se faz, como diz Betocello, voz em olhares atônitos na antologia dos sentidos que misturam o peito. Nelas, a Poesia faz refletir, como afirma Emanoel Figueiredo, ante dilemas, ansiedades e problemas para fazer da vida um poema. Nelas, a Poesia, numa explosão de sentidos, faz abrir as janelas, depois que, como diz Rosa Morena: estranho tudo que me atravessa / recito esperanças e invernos. Juntas, as três vozes formam um lírico arquipélago - social, reflexivo, existencial, pleno de Poesia.

A expressão social da poética de Betocello, logo de início, rasga o vazio e alerta o fim do verbo e da existência, no poema “Autóctone”, quando a ignomínia reifica a humanidade. Daí as cores da vida se esvaem e a fosca mentira arrasa esperanças. No metapoema “Aparato”, o poeta deixa mais explícito o seu compromisso social: Meu poema é um artefato que nasce da transgressão das dimensões e afeta imensamente o olhar que desata sobre o barro por onde o vento passa. (...) tem propósito e causa efeito imediato... Mas nem só de caráter social é sua expressão, num segundo bloco de poemas, Betocello se entrega ao mundo imagético, sensorial, a fim de expressar “Outros quereres”, por exemplo, caminhar segurando a mão da paisagem e simplesmente seguir...; quer expressar versos imaginários, pois aposta que um verso dessa significância ressuscita gente amparada no ódio e solidão. Tomara.

Emanoel Figueiredo, com poemas visuais de expressão concreta, nos oferta aforismos a serem refletidos demoradamente como fazem monges budistas em busca do nirvana. Compensa ficar em estado de contemplação ante cada poema-forma de Figueiredo. No conjunto do livro, a arte dele é um estágio importante para se chegar à expressão lírica existencial de Rosa Morena.

Rosa Morena capta beleza nas mais sutis circunstâncias. Ela é toda Poesia. Tudo incorpora, ensimesma e, em constante mericismo, a forma bruta enleva e a traduz em deleite existencial. Há palavras em minha boca e poesia em meus sonhos – diz no poema “Estesia”. Sua expressão atravessa silêncios: o da vontade, o da palavra, o da memória, o do próprio silêncio (confira o poema “Atravessamentos”) e emerge do mais profundo em si, seu lugar bastante e suficiente no mundo, trincheira de sua “Insurreição” onde reside e resiste insubmissa.

A leitura de Toda Palavra Sentida é um prazer. São poemas a serem lidos em voz alta, contemplados, declamados, repetidos; alimentam nossa imaginação e nos transformam e nos reafirmam o melhor dos lugares: o habitat da Poesia. 


*Originalmente publicado como prefácio. 

Toda palavra sentida (Selo Mirada, 2020)





Rosa Morena nasceu em Itapipoca (CE). Cursou Pedagogia. Em 2014, foi premiada com o livro Jaci, a filha da Lua no Edital Paic, Prosa e Poesia. Em 2015, lançou Movimentos Intransitivo. Recebeu Menção Honrosa em dois certames: no XVIII Prêmio Estadual Ideal Clube (2015) e no Prêmio Carlos Drummond de Andrade, Brasília(2017). Em 2018, lançou o livro Micropoemas e teve o livro Pedro, o menino do mar, selecionado no Edital Mais Paic. Em 2019 recebeu o 1º lugar no XXI Prêmio Ideal Clube de Literatura - Prêmio José Telles e lançou o livro infantil A menina e a garça.



Betocello é natural de Jaguaribe/CE. Teólogo, poeta e artista plástico, com obras premiadas no Estado do Ceará. Atualmente faz parte do Coletivo Vestigium, com sede na galeria Vestigium ArtGallery. Organiza trimestralmente o Sarau Lítero Musical, que acontece na abertura das vernissagens. Acredita no diálogo cultural, na diversidade de expressões para compartilhar dúvidas, sonhos e dificuldades da realidade artística.



Emanoel Figueiredo - A poesia representa uma parte deste poeta! Sem ela não se é inteiro, pois nasce como um gesto de amor e saudade, palavras escritas com alma e coração, ao sabor das emoções e dos momentos. Ante uma atuação na Educação desde 2000, com ênfase na troca de experiências, na leitura, na pesquisa, na elaboração de projetos, bem como no desafio de formar amantes da leitura, evidenciando e valorizando a leitura como hábito diário e significativo ao aluno, faz com que se acredite na autenticidade de um ser que se define como apaixonado pela Arte e pela Literatura.



Kelsen Bravos da Silva - escritor, professor, editor, consultor na área do Livro, Leitura, Literatura e Cultura Digital, pesquisador membro do GPLEER (Grupo de Pesquisa: Literatura, Estudo, Ensino e (Re)Leitura do Mundo), por meio do qual apresentou o trabalho “A formação de jovens leitores a partir dos clubes de leitura” no III Colóquio do GPLEER (Grupo de Pesquisa: Literatura, Estudo, Ensino e (Re)Leitura do Mundo) com o tema “Por uma Escola de leituras: o papel da literatura na formação de professores que formam leitores”, promovido pelo GPLEER e pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (PosLA) da Universidade Estadual do Ceará (UECE), realizado no período de 29 a 31 de janeiro de 2018, no Centro de Humanidades da UECE. Autor do fascículo "Jovem e Literatura" do curso à distância Formação de Mediadores da Leitura da UANE-FDR/UFC, em 2019. Consultor para Literatura e Formação de Leitores do Programa Agentes de Leitura - SECULT-CE.