por Taciana Oliveira__
No último final de semana consegui algumas horas de descanso e me dediquei a colocar em dia minhas “obrigações” audiovisuais. Vou começar falando do impacto de assistir o documentário "AmarElo ‒ É tudo pra ontem, direção", de Fred Ouro Preto, disponível na plataforma de streaming Netflix . Ninguém ficará impune depois dessa experiência. Por sinal, a exibição do filme deveria se tornar uma prática obrigatória em salas de aula. "AmarElo" consegue despertar em cada um de nós um desejo pleno de justiça e empoderamento do povo negro. O documentário não se trata de um simples concerto de hip hop no Teatro Municipal de São Paulo, mas de um poderoso manifesto artístico pela diversidade e contra o preconceito racial.
O roteiro segue uma proposta de narrativa confessional e crítica pelo momento atual que escancara nossa eterna hipocrisia de igualdade racial. Afinal, não é de hoje que o Estado é conivente com o esfacelamento recorrente da importância da cultura negra na concepção da identidade deste país.
O documentário é educativo e pungente. Impossível não se comover com a homenagem a Wilson das Neves e a um tanto de participações especiais que potencializam o discurso da coletividade para vencer a estupidez.
Emicida mergulha nos diversos gêneros musicais e visuais para contar a sua história e de outras figuras célebres que norteiam a caminhada do movimento negro. Esqueçam o rótulo de rapper, ele passeia por sonoridades como o samba, o soul e até o chorinho. A sua performance de palco é gigante e abraça uma platéia em extâse.
No blog de cinema do MIS, José Geraldo ressalta: O que há de mais explosivo e ameaçador (para a cultura patriarcal-oligárquica que nos domina há cinco séculos) no discurso e na prática de Emicida é a chamada “interseccionalidade” defendida por Lélia Gonzalez, isto é, a união das pautas de raça, gênero e classe numa só luta por emancipação e liberdade. Não por acaso, o momento mais apoteótico do show do Municipal é aquele em que o cantor se junta no palco à drag Pabllo Vittar e à cantora trans Majur e os três repetem inúmeras vezes, como um mantra, como um brado, o refrão de Belchior: “Tenho sangrado demais,/ tenho chorado pra cachorro./ Ano passado eu morri,/ mas este ano eu não morro”.
Não por acaso, também, numa coda que derruba as últimas resistências do espectador mais insensível, vemos e ouvimos, com seu sorriso radiante, a mulher que sintetizou em si essas três lutas, e que por isso foi assassinada. Nem preciso dizer seu nome. Está nos muros de todas as cidades.
“AmarElo ‒ É tudo pra ontem” é um trabalho artístico necessário e vem pra dentro de nós como promessa de esperança. Para os negacionistas e "white pardos" desse país, Emicida deixa seu recado: A minha missão, cada vez que eu pegar uma caneta e um microfone, é devolver a alma de cada um dos meus irmãos e das minhas irmãs que sentiu que um dia não teve uma.
Avante!
Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.