por Taciana Oliveira__
Nélida Piñon em seu artigo intitulado “The Female Memory in Narrative”, publicado em 1999, afirma:
“A memória contemporânea está chamando as mulheres a romper seu silêncio e a transformar seu destino histórico (…) Elas devem reconciliar sua biografia com a geografia de seus corpos.”
A cartografia afetiva da poeta cearense Rosa Morena é alma e corpo feminino. Na sua construção narrativa, há uma intensidade que transita em cada verso, em cada palavra. O poema não disfarça que a tristeza e o prazer por vezes navegam no mesmo oceano. No caos, Rosa concebe imagens, desenha percursos e reconhece a liberdade como razão legítima da sua existência. Seus micropoemas revelam uma ternura agreste, uma ferida exposta, uma intimidade à deriva.
A escrita de Rosa é uma orquestra desafiando o silêncio e o maestro. Ela não se acomoda e se regenera no próprio corte. Não há calmaria nesse itinerário:
No meio do caminho
Tinha um olhar
Sou feita de carne e desejo
Em “Latitudes de intimidade”, o passado é uma fotografia 3x4 em baixa resolução, mas o futuro urge sinalizando que a vida é coragem. Rosa Morena assume que a memória pode nos conduzir a uma solidão extrema e inaceitável:
“Toda inocência é corrompida
Quando chega a dor.”
E para o amor que nos devora e confronta nossa lucidez, ela tece seu bordado, costura as imperfeições, dispensa desafetos e pontua bravamente:
O que mais tenho
São memórias tuas
Atravessadas aqui dentro
Por vezes
Tropeço em uma delas
E choro
É pouco provável que o leitor não se reconheça em algum corredor desse labirinto de sensações e sentimentos. É urgente se permitir ir além das entrelinhas e da hipocrisia desse mundo servil. Deixar pulsar para acordar. Na poesia, Rosa se recompõe das dores e transgride o lugar-comum. A mordaça social não é bem-vinda.
Peço desculpas
Ocorre-me um silêncio absurdo
Persigo de forma intransigente
Aquela vontade de sonhar
Com algo mais
Que o pão
De
Cada
Dia
“Latitudes de intimidade” reverbera em outras coordenadas geográficas. Seus micropoemas não vacilam, ostentam um equilíbrio lírico onde menos é sempre mais. Como não se render à poesia agridoce de Rosa Morena? Como não mergulhar nesse céu azul?
Não ando por trilhos, senhores
Meu caminho tem asas.
Rosa Morena nasceu em Itapipoca (CE). Cursou Pedagogia. Em 2014, foi premiada com o livro Jaci, a filha da Lua no Edital Paic, Prosa e Poesia. Em 2015, lançou Movimentos Intransitivo. Recebeu Menção Honrosa em dois certames: no XVIII Prêmio Estadual Ideal Clube (2015) e no Prêmio Carlos Drummond de Andrade, Brasília(2017). Em 2018, lançou o livro Micropoemas e teve o livro Pedro, o menino do mar, selecionado no Edital Mais Paic. Em 2019 recebeu o 1º lugar no XXI Prêmio Ideal Clube de Literatura - Prêmio José Telles e lançou o livro infantil A menina e a garça.
Taciana Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura. Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser ouvir: Ter bondade é ter coragem.