por Iaranda Barbosa___
Fruta verde é o mais novo livro de poemas de Suelany Ribeiro. O leitmotiv é a experiência da maternidade biológica que está dividida em três fases (a descoberta, a gestação e o puerpério), apresentadas no livro com os títulos: ‘corpo que renasce’, o ‘encontro’ e ‘puerpério’. O subtítulo (poemas para 40 semanas) induz a uma primeira leitura repleta de analogias de ordem numerológica, tais como: 40 é a quantidade aproximada de semanas de gestação; 40 dias é mais ou menos o período no qual a mulher desconfia e descobre a gravidez; e, por fim, 40 é o número de dias conhecido popularmente como resguardo ou quarentena e, cientificamente, como puerpério.
Dessa maneira, as questões semióticas vão compondo o livro, considerando, a priori, a diagramação que traz na capa uma imagem que remete a uma barriga gestacional cujo conteúdo é o título e o subtítulo da obra. Ademais, conforme as informações contidas no próprio livro, as três partes do livro (‘corpo que renasce’, ‘encontro’ e ‘puerpério’) possuem correspondência direta com a disposição dos poemas, a considerar a mancha gráfica, a justificação do texto e a centralização dos poemas. É possível ainda considerar que o tipo de material utilizado nesse livro com artesania com costura borboleta também corrobora essa relação semiótica, haja vista o livro estar composto por um papel bastante suave ao toque, no qual estão impressos os poemas, outro utilizado para compor a guarda, cuja aspereza é considerável e, por fim, o papel da capa, com aspereza e suavidade intermediária, quando relacionadas aos outros dois. Quer dizer, para cada fase ou processo há um tipo de experiência que pode ser mais suave ou mais áspera, provocando em quem ler o livro tanto experiências táteis como visuais.
O título provoca, nos leitores mais impulsivos e desavisados, uma analogia com o zigoto, considerando-o, por meio de uma visão romantizada e metafórica, uma semente que, ao se desenvolver, representará o fruto de um amor. Perspectiva esta rompida pela poeta ao trazer uma série de poemas que exasperam as modificações físicas, psíquicas e emocionais pelas quais todas as mulheres – em maior ou em menor medida – experienciam nas referidas fases. O parto, a solidão, a insegurança, os palpites alheios, as cobranças, as dificuldades e os enfrentamentos conformam o cotidiano do antes, do durante e do depois de uma mulher recém-parida.
A autora apresenta uma composição poética estruturada por estrofes compostas, quer dizer, através de uma combinação na qual a métrica se alterna entre versos maiores e menores. O recurso estilístico está formado por um ritmo poético marcado por um caráter narrativo no qual a ausência de repetições e a inexistência de um número fixo de sílabas poéticas constroem imagens cuja relevância se sobrepõe à realidade auditiva. Ou seja, o rigor métrico e a presença de rimas, na grande maioria dos poemas, são substituídos por outras ferramentas e estratégias tais como o encadeamento e o encavalgamento que, carregados de sutileza, formam o agrupamento rítmico que rege a tessitura de um poema narrado com intenso lirismo.
A versificação é bastante variada, constituindo poemas que apresentam estrofes com versos monossílabos, dodecassílabos, heterométricos, ou seja, com medidas diferentes, irregulares; brancos/soltos; e/ou com rimas internas. Um poema que representa bem alguns desses versos é:
Naquele dia
meu corpo estremecia em dor
no ventre surgiam pequenos
movimentos
que me faziam pensar
se suportaria o futuro
a impaciência e o mal humor
já comprometiam as minhas virtudes
que insistiam em desaparecer
nas madrugadas
pontiagudas
intermináveis
As rimas internas podem ser observadas nos termos com o ditongo “ia”, provocando picos de sonoridade e marcando o ritmo dos versos que compõem uma unidade semântica por meio das disposições métricas que formam desenhos sinuosos na leitura. Os versos longos e mais curtos se alternam provocando pausas na voz, estímulos de sentidos e despertar de sentimentos. O título do poema é também o primeiro verso e aparece em negrito. As ferramentas utilizadas pela poeta exigem que o leitor participe ditando o ritmo do poema, provocando, inclusive, uma cadência bem próxima da narrativa sem, entretanto, perder o lirismo. Contudo também nos são apresentados poemas nos quais Suelany Ribeiro dita o ritmo e, simultaneamente, provoca a construção de imagens, cenas e situações:
Cansaço. Refluxo. Pontadas. Falta de
posição. Estômago queimando. Sono.
Falta dele. Contrações de teste. Dor. Alívio.
Dúvida. Fome. Cabelos brilhosos. Dedos
inchados. Pernas pesadas. Varizes à
mostra. Auréolas amplificadas. Umbigo
pra fora. Nariz enorme. Pele bonita.
Impaciência à flor da pele.
Já outros poemas trazem diferentes sinais de pontuação (vírgula, exclamação, interrogação, reticências) a fim de provocar sinestesias, aumento e diminuição na voz, interrupções e uma gama de possibilidades interpretativas. A poeta ensaia várias técnicas, incluindo a composição de estrofes com verso monóstico, geralmente no final do poema, após construções voltadas para sinestesias e metáforas, tais como:
[...]
Ainda bem que o tempo
desloca essas angústias
para as águas quentes
desse rio pedregoso
chamado
Maternidade
Assim, Suelany Ribeiro nos revela uma experiência cotidiana por meio de várias formas de poemar. Fruta verde enfatiza os inúmeros desafios de uma fase prenhe de segredos, dúvidas, medos, ansiedades, anseios, obstáculos, cobranças e, sobretudo, um misto de solidão e companhia provocada por um ser que simultaneamente está, mas não está, pois apenas se sente e em momentos esporádicos é possível ver não olhando para dentro, mas sim para fora, através de um monitor, de um olhar externo. As estratégias utilizadas ao longo dos poemas constroem sentimentos narrados que sobrepassam os conceitos científicos. Esse livro trifásico nos choca ao nos fazer perceber que, embora tenhamos tecnologias e nos consideremos homo sapiens sapiens, nosso instinto animal prevalece em situações que nos deixam acuados:
Meus olhos não paravam
de olhar para o aplicativo
que media a intensidade
e a frequência de cada contração
À medida que o intervalo das contrações
diminuía
os meus dentes
mexiam-se com força
intensamente
O aplicativo não me preparou
para o medo
para a incerteza
e a aflição corroía a minha coragem e
destituía aquela cabeça erguida.
Mais que uma obra biográfica e confessional, Fruta verde nos traz poemas que duram muito mais que 40 semanas, pois a poesia ali presente tocará cada indivíduo de uma maneira distinta, despertando identificação, projeções, analogias, interpretações e, principalmente, experiências de leitura intransferíveis e únicas, tal como cada gestação, tal como cada filho.
Suelany Ribeiro é pernambucana, professora, contista, poeta e mãe da Clarice: Uso a palavra como forma de reinvenção de mim mesma. O dizer sobre as coisas romantizadas, como a maternidade, habita o meu corpo, desde que me descobri mãe. Senti que era preciso falar sobre as dores, as frustações e as cobranças que depositam em nós. Teço essas reflexões no meu mais novo livro, “Fruta verde: poemas para 40 semanas”. Também sou autora do livro infantil “Os cachinhos de Cecília” e do infantojuvenil “À sombra do imbondeiro”.
Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé (Selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.