por Rejane Nascimento__
Uma cantilena antiga, adormecida em minhas memórias afetivas, despertou quando eu li e reli o livro, “Toda palavra sentida”, coletânea dos poetas Betocello, Emanoel Figueiredo e Rosa Morena.
O que têm em comum versos forjados na luta pela justiça traduzida em terra, água e pão para todos e os encontros, desencontros e adiamentos que a vida propõe, ou quiçá impõe? Qual a liga para atar as impermanências nossas de cada dia e a imensidão do tempo? Os óculos da dona Poesia.
Bem-aventuradas tais lentes, da poesia, que vestem o nosso olhar nu, cru, cego para o belo. E como diz o saber popular: “O que os olhos não veem, o coração não sente”. E, se o coração não sentir, não vale a pena escrever.
“Toda palavra sentida” é, portanto, um trato entre o olhar, o sentir e o revelar.
“Toda palavra sentida” cheira à fruta madura, não à de vez, como eu ouvia minha avó falar, mas à fruta que o tempo cuidou de maturar. Quando o poeta afirma “Gosto dos dias que experimentei o estranho estado de paz”, trata-se de uma partilha, de uma convicção. Se um leitor concluir que a paz não pode ser estranha, outro lerá que por serem incontáveis as missões, nunca teremos dias para esse tal estado.
Mas esse colóquio acontecerá. É um livro para se dialogar, para mexer com a pasmaceira que não nos deixa interpelar. Quem “lambe quando a mentira balbucia verdades?” Quem nunca cuspiu uma verdade em forma de mentira?
“Toda palavra sentida” nos convida a rodopiar com as palavras da poesia concreta e livre nas formas que a inspiração de Emanoel Figueiredo talhou. Borboletas, estradas, cortinas – tudo é processo para quem se assume um andarilho da escrita. Paulo Freire, que nunca se assumiu poeta, falava dessa leitura de mundo que antecede a palavra escrita, não a sentida. Esta vem primeiro.
“Toda palavra sentida” reverbera a dor que dói no mundo, mas que só o Raimundo sabe decodificá-la porque só ele sente quando os sonhos entram para a categoria das quimeras. “Toda palavra sentida” é uma denúncia silenciosa contra o desafeto, a desesperança, a indiferença, a constância rotineira e um alento aos loucos poetas que desdenham do mercado e se refestelam recitando esperanças e invernos, subvertendo a ordem das estações para decidir o momento exato de (re)abrir as janelas.
Ah, os versos da tal cantilena do início dessa conversa: “Palavra não foi feita para dividir ninguém (...) Palavra não foi feita para dominar, destino da palavra é dialogar, palavra não foi feita para opressão (...)”
Gratidão pela poesia de vocês três queridos Betocello, Emanoel Figueiredo e Rosa Morena, organizadora da obra.
Rosa Morena nasceu em Itapipoca (CE). Cursou Pedagogia. Em 2014, foi premiada com o livro Jaci, a filha da Lua no Edital Paic, Prosa e Poesia. Em 2015, lançou Movimentos Intransitivo. Recebeu Menção Honrosa em dois certames: no XVIII Prêmio Estadual Ideal Clube (2015) e no Prêmio Carlos Drummond de Andrade, Brasília(2017). Em 2018, lançou o livro Micropoemas e teve o livro Pedro, o menino do mar, selecionado no Edital Mais Paic. Em 2019 recebeu o 1º lugar no XXI Prêmio Ideal Clube de Literatura - Prêmio José Telles e lançou o livro infantil A menina e a garça.
Betocello é natural de Jaguaribe/CE. Teólogo, poeta e artista plástico, com obras premiadas no Estado do Ceará. Atualmente faz parte do Coletivo Vestigium, com sede na galeria Vestigium ArtGallery. Organiza trimestralmente o Sarau Lítero Musical, que acontece na abertura das vernissagens. Acredita no diálogo cultural, na diversidade de expressões para compartilhar dúvidas, sonhos e dificuldades da realidade artística.
Emanoel Figueiredo - A poesia representa uma parte deste poeta! Sem ela não se é inteiro, pois nasce como um gesto de amor e saudade, palavras escritas com alma e coração, ao sabor das emoções e dos momentos. Ante uma atuação na Educação desde 2000, com ênfase na troca de experiências, na leitura, na pesquisa, na elaboração de projetos, bem como no desafio de formar amantes da leitura, evidenciando e valorizando a leitura como hábito diário e significativo ao aluno, faz com que se acredite na autenticidade de um ser que se define como apaixonado pela Arte e pela Literatura.
Rejane Nascimento de Sousa, cearense de Fortaleza, estudei Letras e há quinze anos fiz a opção de viver de Literatura, como revisora, ghost writer, contadora de histórias, e desde 2017 coordeno a Editora Karuá. Autora de livros infantis:" Luís Andarilho" (Escala Educacional), "Aconteceu em Agridoce" e "Sorriso e a verdade" (Hedra), Maria Andanças (Premius) e Romeu, Roteu, Ronosso (no prelo, Karuá).