5 poemas temporais | Alex Zani

 por Alex Zani__


Colagem por Baga Defente



6 DE JANEIRO


o primeiro poema do ano

não poderia ser diferente

de ressaca

sentado na privada

faço poemas & promessas

respondo felicitações

(de cinco dias atrás)

com enjoo

e desdém.


eu acho que exagerei,

não nas bebidas

e comidas, também,

mas sim nas promessas

e felicitações;


a nova década mal começou

e já pensei em tanta merda

o que eu vou fazer?

ganhar dinheiro

viajar

beber mais e mais


sobreviver à pandemia;

encontrar alguém para chamar de meu bem;

já até pensei em coisas pra pôr num poema

(que acabou virando este)


há mais de 5 anos que eu escrevo poemas

as músicas já não são as mesmas

as rotinas já não são as mesmas

as pessoas

graças a deus

já não são as mesmas


meus poemas já não são os mesmos

afinal

aprendi o plano poético

imagens poéticas

figuras de linguagem

aliteração, paródia, comédia

fiz até um curso de poesia, veja só;


mas não mudei o meu estilo:

faço o que eu faço

porque é preciso.


tenho uma lista de palavras prediletas

tais como

siricutico e profiteroles

e ainda há outras

que eu usarei

ao longo do futuro como ex-poeta.


CAMISETA


só de imaginar o ciclo de vida das camisetas

eu me entristeço;

o que um dia fora desejo

estampa de vitrine

ou vestido de manequim

e quando comprada

sente o prazer de vestir um corpo

pela primeira vez

muitas vezes recém-limpo

um corpo limpo exclusivo para vestir

a camiseta nova


após uso e desuso

lavada e passada

uso e rasgo eis que

algumas temem o privilégio do remendo

sentem a agulha passando por entre seus vãozinhos

e o nó da linha conserta e revigora as esperanças


até que

pelo peso dos anos e tempos que passam

desbota-se

desfia-se e os rasgos já não mais compensam a atenção


resta então,

às camisetas,

o destino do pano de chão


me entristece imaginar

o que sentem as camisetas

em seu primeiro dia como pano de chão


ah meu deus se a pessoas fossem camisetas

e não é que são?


AEROPOEM


as aeronaves

que agora ficam mais tempo no chão

do que no céu

começam a enferrujar

quebram

e partem-se

rumo ao cemitério de aviões


e lá parados, os aviões choram

e lamentam as horas vividas acima das nuvens:

ai de minhas viagens à Paris

ai de minhas férias em Cuba

que farei da vida agora

parado

encostado

neste cemitério de avião?

sentem falta dos passageiros

que por anos e milhas passaram

pro entre seus vãos

banheiros minúsculos

frestas e assentos

e pensar que um dia tive medo das turbulências


CASAMENTO


os álbuns de casamento

agora carregam fotos

com todos na igreja

e no cartório

portando máscaras

inclusive os noivos!


jovem casal novo que agora casa-se

em tempos pandêmicos;

em meio ao caos.


é natural duvidar do amor?


o normal e o incomum

Coincide


.ATO NÓS


ando contando com o acaso

sem rumo nem prumo

meio torto

e as vezes

com o sorriso um pouco falso


ando conhecendo gente

e conhecendo histórias

consequentemente

ando conhecendo gente sem história

desumanos


ando querendo escrever uma obra

com palavras bonitas

palavras belas como por exemplo

despropósito

poliedros e

Adolescentes

ando frequentando bares

distintos e desprovido de pares

que por vez ou outra

aleatoriamente me distingo

da maioria dos casais de domingo

ando observando atos involuntários


ando pensando antes de falar

falando antes de escrever

escrevendo antes de escutar

escutando antes de pensar


ando me fazendo

questionamentos

do tipo óbvio:

que será de nós?





Alex Zani (
1996) é, principalmente, editor-chefe da Fazia Poesia, portal independente de poesia contemporânea. Escreve poemas, contos e crônicas e publica no Medium, onde está ancorado desde 2015. Participou da Antologia Ruínas (Editora Patuá, 2020) e Antologia Fizemos (com Ana C Moura, Fazia Poesia, 2020), onde foi organizador. Possui um livro em processo de germinação cujo título ainda é incerto, mas pode ser que seja “Poeta aos 23”.