As Civilizações de Darcy Ribeiro

 por Valdocir Trevisan__





Um dos livros de minha cabeceira é "O Processo Civilizatório" de Darcy Ribeiro, e pasmem, há 39 anos.

Comprei em 1982 quando fazia parte de uma disciplina da graduação de Jornalismo, e sempre estou relendo a fantástica síntese de 10 mil anos do escritor brasileiro.


Ele relata historicamente nossas civilizações e sociedades, dividindo os processos civilizatórios, cada qual com suas genuínas características em quatro partes: Sociedades Arcaicas, Civilizações Regionais, Civilizações Mundiais e Civilização da Humanidade. Percorre a Revolução Agrícola, as revoluções urbanas, a Revolução Industrial chegando na Revolução Termonuclear. Uma Viagem.


Foi nosso maior antropólogo e se no "processo", descreve nações dos quatro cantos do mundo em "O Povo Brasileiro", como o nome sugere, narra nossas raízes e origens.


No processo civilizatório, Ribeiro enumera teorias através de evoluções socio-culturais onde percebemos as sempre presentes diferenças no acesso às vantagens educativas, culturais e econômicas.


Ele sempre afirmou que o Brasil servia a interesses internacionais regido por multinacionais e que nossa elite é a mais perversa do mundo. Já sabem né, foi perseguido por nossa querida e isenta mídia e pelos governos militares.


Com o golpe de 64 é exilado e circula durante os anos 60 por toda América Latina. Revelou com sua historicidade as diferenças de condições de desenvolvimento dos países centrais e periféricos, junto com processos de dominação. Suas desigualdades naturais e politicas.


Em cada revolução, um avanço tecnológico, às vezes devido a uma simples enxada, e em outras, com máquinas revolucionárias: "ainda no curso da Revolução Agrícola, há 10 mil anos atrás (quando Raul Seixas nasceu), grifo meu, algumas sociedades experimentaram grandes progressos na sua capacidade produtiva, devido à substituição da enxada pelo arado puxado por animais e ao uso de fertilizantes", acrescenta Ribeiro.


Uma simples enxada e a utilização de bois nas plantações significaram enormes avanços. Incrível, né?


E por aí, nosso antropólogo vai deslizando por centenas de anos, desde as eras tribais até às sociedades modernas. Foi um estudioso na sua essência, pois raríssimos antropólogos viveram 10 anos com os indígenas (no Pantanal e no Xingu). Raríssimos não, talvez único.


Denunciou ainda os massacres imperialistas quando povos denominados atrasados já não "serviam" para prover tesouros pelos saques ou abastecer o mercado mundial, pois "agora suas funções passam a ser fornecimento de matérias-primas para a industrializacāo". Basta pesquisar o que a Índia sofreu com a Inglaterra.


Daí o Jornal Nacional passa casamentos reais, "coisa linda", e os súditos aqui batendo palmas para a rainha da Inglaterra que saqueou e assassinou milhares de inocentes.


É nesse ponto que realço (como se fosse necessário), nosso maior antropólogo, pois ele analisa a história com uma visão do Terceiro Mundo.


Já na obra "O Povo Brasileiro", Ribeiro vai em busca de nossas origens, lembrando que o Brasil foi feito para produzir pau de tinta para o luxo europeu e depois açúcar para a metrópole. Depois algodão. E depois café. E agora temos um "mito" e seus seguidores que fazem continência para a bandeira dos EUA. Uma coisa que me irrita são comentários dizendo que índios não gostam de trabalhar. Sim, escuto (escutamos, né?) seguidamente essas sábias opiniões. Ao longo das eras, nossa costa atlântica foi ocupada por povos indígenas, evidente que sempre buscando melhores regiões e quando chega o europeu, os índios foram escravizados em suas terras pela mercantilização das relações de produção e, daí temos que ouvir tais comentários. Bom, semana passada li no face de uma amiga virtual que a culpa de nossa crise atual é dos trabalhadores com seus excessos de "beneficios" e leis trabalhistas.


Querida, nasceu em berço esplêndido. Não posso reclamar da minha infância, também tive uma adolescência feliz, mas temos que enxergar o outro, o desafortunado e não ficar criticando e "massacrando" classes inferiores. Esses que criticam os trabalhadores são aqueles mesmos que estão nos cultos e missas rogando amor ao próximo.




Ah, tá! Como Lima Barreto e "seu" escrivão Isaías Caminha diz: "O senhor não vê que a pátria não é mais do que a exploração de uma minoria, ligada entre si, estreitamente ligada, em virtude dessa mesma exploração e que domina fazendo crer à massa que trabalha para a felicidade dela?".


Darcy Ribeiro era o cara. Ele escreve no "O Povo Brasileiro" que "os priveligiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, como se fossem castas e guetos. O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria".


Com a anistia no final dos anos 70, Ribeiro retorna ao Brasil e cria o maior programa educacional das Américas, os CIEPs, junto com Leonel Brizola. Seus livros sempre resgataram a identidade do individuo brasileiro, mas morreu triste porque dizia que não havia conseguido realizar muitos dos seus objetivos.


Agora estamos passando por uma nova "civilização", onde a incompetência de um governo deixa pessoas morrerem por falta de oxigênio em hospitais. O único país do mundo que consegue uma proeza dessas. Mas como diz o Gaúcho: não tá morto quem peleia.

Ribeiro destaca que ainda somos uma jovem nação e podemos fazer de nós, um gênero humano que nunca existiu pelo tamanho de nossa pátria. "Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma", acrescenta. Um dos problemas, como sempre, são nossos políticos e seus seguidores que estão entorpecidos pela mídia e grupos religiosos.


Como Darcy Ribeiro relatou: "cada vez que um político nacionalista se encaminha para a revisão da institucionalidade, as classes dominantes apelam para a repressão e a forca".


E golpes.



Valdocir Trevisan
é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui