por Mike Sullivan__
Fotografia: Andrik Langfield |
O hamster do Diogo morreu hoje.
Ele me ligou no início da tarde para contar que havia encontrado o bichinho morto dentro da gaiola. Diogo chorava e eu comecei a chorar também. Porém, suas lágrimas eram mais honestas do que as minhas, pois ele cuidava do bicho com extrema dedicação. Criou apego.
Eu, egoísta, só chorava pela impossibilidade de consolar com um abraço alguém que mora longe. Por fim, consegui dizer algumas palavras idiotas que nunca confortam ninguém, mas não paro de chorar desde então. Queria estar lá agora para fazer alguma coisa que amenizasse a dor dele. Qualquer coisa, sei lá. Mas estou aqui devorando cigarros, bebendo uísque, sentado no chão, numa cena patética, pensando no ratinho, no Diogo, chorando copiosamente diante do pavor de estar mais uma vez trazendo para a coleção um novo amor impossível.
Parece que vai ser sempre assim.
Um amor impossível que me salva de outro amor impossível.
***
Desde a primeira vez que eu vi o Diogo, soube que não ia dar certo. A gente não espera encontrar o amor da nossa vida numa sauna gay. Ainda mais sendo esse pretenso amor um garoto de programa, com a toalha branca enrolada na cintura, deixando aparecer, estrategicamente, parte de seus pelos pubianos.
No dia em que conheci o Diogo eu já havia circulado pela sauna por cerca de meia hora, percorrendo seus ambientes – sauna seca e a vapor, sala de vídeos pornôs, banheiros, área dos chuveiros e o bar –, entediado e inquieto, sem ficar muito tempo em nenhum deles. Eu já me preparava para ir embora, indo em direção ao armário trocar de roupa, quando cruzei com Diogo, encostado na parede, com um sorriso insinuante. Bastou que eu o olhasse para me sentir atraído como há muitos anos não acontecia. Os boys vão perdendo o encanto quando a gente percebe que são produtos fáceis de adquirir. Basta ter dinheiro e você leva qualquer um deles para cama. Se vai sair satisfeito, isso é outra história. A maioria não sabe dar prazer, só querem meter e fazer você gozar o mais rápido possível.
Não me dirigi imediatamente ao Diogo assim que o vi. Fui até o bar e pedi uma dose de conhaque, de modo a observá-lo mais um pouco à distância. Naquele dia, não sei ao certo a razão, eu estava nervoso. Há anos frequentando saunas, sabia que esses encontros seguiam o mesmo padrão: cumprimentos iniciais, sorrisos, perguntas básicas sobre preço e sobre o que o boy estava disposto a fazer, avaliação do material, umas pegadinhas. Depois a solicitação da chave e a ida ao andar superior onde ficavam os quartos. Pronto! Era simples.
Pedi outra dose de conhaque, bebi de uma vez só e fui em direção a ele. Diogo sorriu ao me aproximar. Foi o suficiente para ter certeza de que eu queria subir com ele. O preço e o tamanho do pau seriam detalhes pequenos, se comparados aquele sorriso lindo, ornado por lábios grandes, carnudos, e por dentes perfeitamente alinhados e reluzentes de tão brancos.
Posso dizer, sem sombra de dúvida, que conhecer o Diogo foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida nos últimos quatro anos. Diogo não impediu as tragédias do meu destino, não impediu que pessoas queridas morressem, não impediu que eu fosse mandado embora de dois empregos nesse período, não impediu a retirada de uma pedra no rim, não impediu os remédios para combater a insônia, não impediu que eu enterrasse minha mãe, mas esteve ao meu lado quando essas agruras aconteceram, o que fez toda a diferença, tornando suportável aquilo que me levaria à depressão ou ao suicídio se estivesse sozinho em casa, enchendo a cara e ouvindo Nina Simone.
Nossa relação nunca deixou de ser aquela entre um garoto de programa e seu cliente, envolvendo dinheiro, horários e locais previamente combinados.
Pode parecer idiotice o que eu vou dizer, mas sonhava com o dia em que Diogo me ligaria para confessar que estava apaixonado por mim, que gostaria de morar e casar comigo, ser meu namorado, meu marido, meu companheiro. Eu sei que fui um idiota! A gente se torna um idiota quando está apaixonado.
Ele se mudou para os Estados Unidos. Disse que ia tentar fazer a vida por lá. Por aqui já tinha passado da idade limite para aposentadoria de um michê, algo em torno dos vinte e cinco anos. Diogo tinha trinta e um.
Ofereci-me para levá-lo ao aeroporto no dia da partida, além da “generosidade” de pagar metade da passagem aérea. Diogo despediu-se de mim com um forte abraço diante do portão de embarque. Depois ele se foi e eu fiquei observando até ele desaparecer da minha vista. Deixei para chorar em casa; o que fiz, mas sem tanta tristeza.
Diogo nunca me fez mal, nunca me roubou, nunca me bateu, nunca exigiu presentes e dinheiro além do combinado. Deixou mesmo a saudade e uma boa lembrança em meu coração para guardar com afeto.
Que o Diogo seja feliz.
O Diogo que não era Diogo. Prometi não revelar seu nome verdadeiro.
Quem sabe eu não viaje para os Estados Unidos?
Quem sabe?
Parece que vai ser sempre assim.
Um amor impossível que me salva de outro amor impossível.