Pulsão de língua, de Daniel Glaydson Ribeiro

 

por Diego Mendes Sousa__

 

 

Ilustração: Sanzio Marden

FRUIÇÃO, PARTITURA E VENTANIA   

 

 

            O livro Pulsão de língua versa sobre a linguagem instintiva da poesia. Daniel Glaydson Ribeiro é experiente nas letras e faz a sua estreia com um rico discurso sobre o duradouro e o fugaz, entre o chão poético dos seus espantos e o arcabouço teórico da sua vivência.

            Sua consciência crítica sobre o mundo provém de uma sabedoria reproduzida em seus próprios ideais contestadores do voraz Capitalismo, da crueldade da Civilização e da alarmante injustiça social, pois “mortal antes de tudo é a memória”. O eu lírico se refaz após o esquecimento, “de ruínas invisíveis”.

            A voz literária de Daniel Glaydson Ribeiro está à espreita de inúmeros elementos experimentais. Seu ritmo segue fragmentado como uma sangria desatada no inconsciente, que se amplia com forte vigor humanista a desaguar no abismo dos silêncios, em “mística-terra d’eternidade”.

            Estudioso da poesia de Jorge de Lima, Daniel preserva em sua dicção a atmosfera sobrenatural das cousas. Guarda também a magia precisa da beleza. Emociona-me versos fantásticos como estes: “mete os dedos dentro // dos cabelos das ondas // e as unhas na nuca do mar”

            A fruição das imagens inventadas por Daniel perpassa pela sensibilidade, também por aquilo que é íntimo a um autêntico poeta: a migração sonora das metáforas e o incêndio renovador da alma encantada.

O cume da obra a meu ver, carrega uma forte herança dos Modernistas de 22 e dos Concretistas paulistas. Com leveza e ressurreição, ecoam Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

            Há um poema de Daniel Glaydson Ribeiro cujo título me causou uma excessiva atração. Trata-se da peça “1”, da seção “Pulsão arcaica”, que esboça um relicário frasal remoto, de imensa delicadeza: “Oiço uma ventania”, que desperta sensações de origem, muito conceitual e elegante, por causa da inesperada e incomum variação da palavra “ouço”, posta com tanta precisão, no vocabulário de um jovem escritor.

            Esse poema em comento é uma obra-prima, bem escrito, inspirado, revelador, tecido por mistérios, por uma energia cabalística bucólica e chamuscado por uma imagética profunda, com evocações sedutoras para um tempo de essência, traduzido em deserto, sede, miragens, terra, areal e Deus.

           

“e o que sinto, se sinto

é que Deus-Deusa, se existisse, se existe,

perene, passa, sequioso e sopra.

 

e não há nada, entre nós,

a ser dito.”

 

            O jogo com o inefável é espetacular. Versos finais inebriantes, verdadeiramente indizíveis, sublimes.

            Pulsão de língua está dividido em cinco atos que dialogam com as dores do ser. Daniel Glaydson Ribeiro reserva a alteridade como uma deliciosa característica de busca rumo ao prazer estético, mesclando os idiomas existenciais às estações oníricas da vida terrenal.  

Sua originalidade está no salvamento da fala e no manejo extraordinário do arrebatamento ascético: “Só muito depois compreendi // que esta ventania constante // já é Tua Voz, // num simples sopro sempiterno.”.

Com os seus barulhos e excessos, Pulsão de língua promove o ruído das vozes que habitam as iluminações imprescindíveis da tradição e inova pela via do ressurgimento de outras veracidades, como a reconstrução do movimento anímico e a consolidação de uma linguagem singular.




*Previsão de lançamento: abril de 2021



 

Daniel Glaydson Ribeiro nasceu em Picos (1985). Pai de Anita, Tarsila e Bento. Professor do Instituto Federal do Piauí. Com o grupo Ausgang de Teatro, organizou o livro Almanach Muda (2016) e levou o Samba de Brecht para a Universidad de las Artes, em Havana, Cuba. Dentre as publicações recentes, estão: a plaquete “Marcescível” pela Mirada (2020); o poema “Põlinud-iná” na revista Desenredos (2020); e traduções de Paul Valéry na revista Em Tese (UFMG), com Fábio Roberto Lucas. Pulsão de língua (Mirada, 2021) será seu primeiro livro solo. Coordena o projeto de extensão “Linguagem e poesia #dendicasa”, cuja produção virtual pode ser encontrada em youtube.com/LinguagemePoesiaDendiCasa


 


Diego Mendes Sousa
é filho da Parnaíba, costa do Piauí. Poeta. Advogado e Jornalista. Autor de dez livros de poemas. Membro da Academia de Letras do Brasil e do PEN Clube do Brasil. Detentor do Prêmio Castro Alves, de 2013, da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro (UBE-RJ), pelo conjunto da obra.