por Iaranda Barbosa___
Embora estejamos a todo o momento tentando
proteger as crianças da violência, nós, adultos, nos esquecemos que ela é uma
realidade apresentada diariamente seja nos telejornais seja no cotidiano de
milhões de cidadãos mirins do Brasil. Nesse sentido, “Era uma vez, uma
peixinha...”, de Maria José de Barros, é uma obra que, através de muita poesia
e sensibilidade, traz à ordem do dia uma problemática que parece não ter fim: a
morte de meninos e meninas decorrente de ações desastrosas da polícia.
“Dedico este livro a Duda, Maria Eduarda
Ramos de Barros, e a todas as crianças, que como ela, foram fisgadas antes
da hora.” Assim inicia o livro, com uma linguagem metafórica, mas
simultaneamente direta e cuidadosa que, associada às ilustrações, cria uma
história na qual o leitor pode refletir e discutir sobre a violência que,
diariamente, vem ceifando a vida de crianças de todas as idades. Ao incidir luz
sobre essa questão, Maria José de Barros provoca o público-alvo a lançar um
olhar para o seu dia a dia e para a sua comunidade, fazendo-o ampliar a visão
de mundo e realizar uma análise crítica da realidade, juntamente com as
notícias vistas na televisão.
“Era uma vez, uma peixinha...” vai além de uma
história infantil com um final não muito comum. Ela apresenta, inclusive, inúmeras
possibilidades de atividades pedagógicas nas quais o alunado pode se expressar
de acordo com a interpretação da obra: teatro, produção textual, música,
contação de história, desenhos e até mesmo um novo final.
O desfecho, a propósito, chama a atenção devido
à presença mais enfática de elementos feéricos e telúricos – inseridos, em
especial, na mentalidade judaico-cristã –, reflexões filosóficas relacionadas
ao renascimento e características da mitologia autóctone como o pensamento
mágico e mitológico. Esse caráter amplo configura a obra como transdisciplinar,
pois abre espaço para abordagens que permitem descobertas dentro e fora da sala
de aula, chamando a atenção, sobretudo, para a visão dos povos originários ao
incentivar o grupo a investigar como os primeiros habitantes do local explicam
o nascer do rio e de outros elementos que ali existem.
O direcionamento de uma conversa com as crianças,
não apenas em sala de aula, mas também nas residências, nas rodas de leitura,
nos templos religiosos, enfim, em todos os locais onde é possível refletir
sobre os mais diversos problemas que nos afetam enquanto cidadãos, enquanto
seres humanos, pode ser guiado por perguntas e inquietações basilares: onde
vocês moram, existe rio? Ele é poluído? Que soluções vocês dariam para sanar o
problema?
Ademais, existe a possibilidade de transitar
pela história dos locais citados no livro perguntando o porquê de os municípios
terem aquele nome. Da mesma maneira, o problema central do livro, que é a
violência, também pode ser discutido através de diversas maneiras, já que ele
critica a falta de preparo e a ação desastrosa da polícia. Outra proposta,
ainda, é realizar um estudo comparativo entre o texto de Maria José de Barros e
outros livros ou outras histórias que abordam a morte de alguém.
A autora, portanto, não subestima o público-alvo. Pelo contrário. Ela constrói uma narrativa na qual o leitor de várias idades é convidado a debater sobre morte, violência, responsabilidade das autoridades, uso das armas de fogo, vida e o papel do ser humano em relação ao cuidado com o outro.
Maria José Barros é professora na SEDUC-PE, escritora e pesquisadora cultural independente.
Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé (Selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.