por Argentina Castro__
Intervenção na fotografia: Priscilla Du Preez |
Dentro
de mim há uma velha que arrasta móveis, anda de um lado para outro, abre e
fecha gavetas, tranca e destranca portas. Nos seus descansos, se debruça sobre
o parapeito da janela olha pra rua e, não suportando o que vê, se recolhe. Seu
silêncio só é interrompido pelos barulhos de calçadas que não são suas. Por
dentro, a velha se arrasta pedindo aos deuses o sucumbir dos dias. Por fora,
segue mais viva do que nunca em seu permanente estado de alerta. A velha está em guerra e, debaixo de seus
olhos, escorre o sangue do mundo. O
sangue daqueles que ela matou e o sangue daqueles que a mataram. Tem dias que
ela se pergunta: pra que tanto amor? No mesmo instante, enquanto arrasta outro
móvel, abre e fecha gavetas, tranca e destranca portas e se debruça rapidamente
sobre o parapeito da janela, a velha responde: para não morrer de tanto ódio.
Argentina Castro. Mestre em Antropologia. Escritora de poemas, contos, crônicas. Articuladora e Mediadora da Papoco de Ideias.