Crônicas de Mamãe e Ben | Ingrid Rodrigues

por Ingrid Rodrigues__



Foto: Aaron Burden


As asas da mãe


 Foi menos de uma semana.

Mas no coração da mãe, pareceu que foi uma vida inteira.

A sensação de abandonar, deixar, cortar o laço...

A mãe entrou no avião chorando, o Ben ficou sem entender nada.


De longe ela o observava encantado olhando para todos os cantos do aeroporto, nem percebeu quando a mãe se afastou de sua vista rumando o desconhecido. O Ben voltou para casa com o pai. Um fuso horário diferente tornava a ansiedade da mãe ainda mais traumática. Acordou cedo no primeiro dia, tão cedo que ainda era madrugada no dia a dia do Ben. Ela queria lembrar os meninos do horário da escola. Mesmo deixando todos os horários do Ben batidos e escritos para o pai cumprir com precisão. Ela sabia que o pai se sairia bem. Ela confiava na responsabilidade e cumplicidade dos dois. Mas ela não tinha tanta certeza sobre a falta que iria fazer. Durante o primeiro dia, o pai levou Ben para aula. Precisou ficar durante quase toda manhã, pois o Ben se mostrava meio triste. A mãe recebeu fotos de várias outras mães da escolinha mostrando. “Olha seu marido cuidando do seu filho, que paizão” a mãe ficou pensando como a maternidade é pesada. E como que na cabeça de algumas mães o pai cuidar do filho é um favorzão. Mesmo sendo mãe feminista. Mesmo criando Ben com a proporção 50% pra cada e 100% de dedicação, foi difícil para mãe não se sentir culpada.

O pai enviou foto do bebê durante todo o dia, em nenhuma delas o menino estava sorridente. No coração da mãe o sentimento de culpa corroía. Culpa por estar longe, culpa por estar feliz, culpa por estar sorrindo...

A cada 10 minutos a mãe pensava no Ben. “Como Ben iria adorar conhecer esses lugares!” Ao mesmo tempo, a mãe imaginava como poderia trabalhar se Ben estivesse ao lado dela. A cada lugar visitado a mãe chegava a conclusão: Não dava!

“Nossa, que biblioteca incrível! Ben adora bibliotecas!” Mas como a mãe poderia colher dados de pesquisa com Ben correndo no meio dos livros?

“Nossa, que teatro lindo!” Mas Ben não pode correr aqui dentro.

“Uau, que ópera arrebatadora!” Mas como o Ben iria se comportar em duas horas de ópera? Ele é só um bebê. É um pequeno rapaz.

A mãe tentava se justificar, para si e para o mundo. A mãe se sente ré, no tribunal da culpa materna. No tribunal que julga as mães imperfeitas, as mães multitarefas, as mães que querem abraçar o mundo com as pernas, as mães que trabalham, as mães que estudam, as mães que são mais do que mães... Mães que por medo de serem julgadas nesse tribunal acabam, se condenando e se sabotando...

Entretanto, este tribunal só existe dentro da cabeça das próprias mães...

A mãe entendeu que para ser uma boa mãe precisa estar bem consigo mesma.

A mãe entendeu que a saudade nunca vai passar, que sempre vai achar que faz as coisas para o Ben melhor que todo mundo, mas também entendeu que o Ben vai ficar bem.

Do lado de cá, o pai se desdobrava para distrair o menino. Cumpria rigorosamente os horários, a alimentação, a escola, o soninho. Os avós tangenciaram toda transformação...

Mas o Ben não mencionou o nome da mãe em nenhum dos dias. Ele aposentou a almofada com a foto da mãe. E foi “viver a vida dele” Muito “gagau”, muita música, amiguinhos e “banho não”. Não teve piscina (pedido da mãe) teve joguinhos e leiturinha. Os dias passaram rápido para ele...

A mãe e o Ben não se falaram durante os dias da viagem, após algumas viagens do pai a mãe percebeu que Ben chorava em toda ligação. E corria para porta achando que o pai estava chegando. Ela não queria que o pai passasse pela mesma situação.

Com o coração esfarelado, chegou o dia de voltar.

A mãe, surda, desce a escada rolante, da metade ela já vê um homem aranha no portão do desembarque. Antes que ela chegasse próximo ele correu gritando: MÃE! MÃE! Foi o abraço mais gostoso da vida. Ele estava bem. Eles sobreviveram. Tudo deu certo no final

Depois dessa viagem, a mãe aprendeu mais uma valiosa lição: A saudade sempre vai estar presente, mas a culpa não precisa vir no pacote.

Mãe também é gente!


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#mãepesquisadora

Fev. 2019




Ingrid Rodrigues
- Professora universitária, Mestra em Teoria da Literatura, Revisora da Revista Intersemiose – UFPE e Pesquisadora do NELI e do NULID. Mãe do Benjamin .