por João Gomes__
Vontade de terminar com tudo. Até quando vou
conseguir fingir esse riso morto? Já não sinto nada, tudo é essa mesmice. Viver
é um vício sem retorno. Parece que quanto mais entendemos, pior fica. De nada
adianta tentar, vai dar merda. Nem é preciso ser pessimista. Quantas guerras
terei que viver por um minuto de paz? Fica sem resposta. Veja, ninguém pode
responder. Porque é problema seu, de cada um. Quem quiser que siga ouvindo o
próprio coração. Não faça, se acomode, e tudo não será tão diferente. Todos querem
vencer, mas como ser vencedor num mundo adoecido? Há fórmulas, cursos de
investimentos, mega da virada. Mas nada vira, o jogo empata. Dá na mesma.
Perder tudo e recomeçar. Sentir o refluxo da desigualdade, para não chamar de
miséria. Pior do que está pode ficar sim, e piorar mil vezes mais. Basta
deixar. É de se descabelar, cortar os pulsos, pular do nono andar. Mas ainda
sobreviver, com o título de sobrevivente eterno. Brigando pela vacina, pelo
espaço no trânsito, mesmo não havendo braço ou estando tudo enfileirado. A
razão não importa, é sempre nossa quando é a vez de alcançar. Não me dou razão,
se o mal já se tornou banal. Por isso e tudo mais que não quero entender,
resisto. Poderia dormir numa anestesia inalatória para ser induzido a um coma
de uma década, por favor? Tudo programado para acordar no futuro. Cobaia de
tudo isso, agendado para me assustar com o que virá. Despertar como dinossauro
num mundo alienígena. Aguardar a próxima hecatombe, a disputa política da vez.
As potências mundiais impotentes diante do inesperado. Mas mil vezes pior, sem
ser ficção científica em retrospectiva do fim sendo o começo. Pura realidade
interligada ao desespero terrestre. O pior segue com pedido de extermínio
coletivo. Nem preciso regar a vida, aguardo a primeira tempestade num copo
d'água. Quando pedalando levar fino de motorista voraz reivindicar um
centímetro de respeito e levar um pipoco abaixo do capacete. Não será preciso
desistir, basta que nos matem por engano. A aparência será o descuido do tiro.
Achar o que quiser e reagir por impulso decretado. E nada terá de perdida a
bala quando o alvo é a própria vida. A vontade de terminar com tudo passou. O
infame acha ter conseguido por todos. Mas tolo é aquele que se acha capaz.
Pronto pro disparo. Refém do próprio invasor.
João Gomes (Recife, 1996) é poeta, escritor, editor criador da revista de literatura e publicadora Vida Secreta. Participou de antologias impressas e digitais, e mantém no prelo seu livro de poesia.