por Luiz Antônio Gusmão___
Se tem alguém que entende o que é um carnaval sem folia, esse alguém é Manuel Bandeira. O velho bardo comeu os
cardos da tuberculose na juventude (adoeceu aos 17 anos), perdeu mãe, irmã, pai
e irmão, sobreviveu à doença e sua poesia ficou marcada pela melancolia.
Em 1919, a pandemia da gripe espanhola ainda
estava ativa, quando ele publicou sua segunda obra, "Carnaval", com
32 poemas dentre os quais "Os sapos", "Debussy" e
"Sonho de uma terça-feira gorda" - de uma modernidade já notável, mas
moderada em meio a tantas composições de forma fixa que ele nunca abandonaria
de todo.
Repleto de arlequins, pierrôs, colombinas e
pierretes, figuras patéticas e sentimentais dos bailes de máscara europeus,
Bandeira encenava seu bacanal imaginário num ambiente narcótico, eufórico e
decadentista. Os arroubos de libertinagem e as loas dionisíacas ao prazer
carnal não disfarçam a amargura profunda de uma vida marcada pela perda, recolhimento
e renúncia.
O gosto pelos prazeres simples e comezinhos, a
consciência semiapaziguada da felicidade irrealizável que dá o tom de sua maior
poesia a partir d'"O ritmo dissoluto" (1924), já estão insinuados na
sequência de "Madrigal", "Confidência", "Hiato" e
"Toante". Este último, composto todo em surpreendentes rimas desse
tipo que vinham aparecendo discretamente desde o começo ("pÁLIdas /
cÁLIce; BOcA / BOA; pÁlIdAs / lÁgrImAs).
Mas é no "Epílogo", quando compara seu
"Carnaval todo subjetivo" ao poema musical de Schumann, que toda a sensação de fracasso e esgotamento se mostra.
Bandeira confessa que seu intuito de simular uma festa vibrante e juvenil
resulta num carnaval desesperado, senil - "sem nenhuma alegria".
Tenho a mesma sensação, ao ver as imagens de
festas e aglomerações pelo país neste Carnaval. Não consigo deixar de antecipar
os números de infectados, internados e mortos que serão noticiados nas próximas
semanas.
Daqui de casa, qual o pierrô do "Poema da
Quarta-Feira de Cinzas", vejo a alegria esfuziante dessa "turba
grosseira e fútil" sob a perspectiva bandeiriana: sinto-me a atravessá-la
vestido com "uma túnica inconsútil / Feita de sonho e desgraça".