por Yvonne Miller__
Jr Korpa |
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— Que palhaçada é essa?
A mãe tinha entrado no quarto
da filha sem bater na porta, o papel na mão. A menina, tendo seu sono
interrompido tão bruscamente, senta na cama, o cabelo verde cobrindo metade do
seu rosto. Confusa, olha em sua volta, tentando se localizar.
— O quê? — Pestaneja devagar.
— Isso aqui! — A mãe abana a
folha. — Por acaso não foi você quem escreveu?
— O que é isso? — A voz sai
baixinha, as palavras lentas como se a menina tivesse que fazer um grande esforço
para encontrá-las no seu interior e empurrá-las para fora. Há poucos momentos
ela estava andando por um bosque encantado, admirando os livros que cresciam
nas árvores e as canetas que brotavam do chão. Mas o sonho acabou quando, de
repente, o céu abriu e a cara da mãe apareceu, gritando-lhe palavras que ela
não entendia.
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— Ah, não tá lembrando?! Vou
ler para você, ver se isso ajuda sua memória.
A mãe levanta a folha à altura
dos olhos e pigarreia.
— “Eu já falei que essa MERDA
não ia dá certo!” — Aqui ela faz uma pausa e lança um olhar acusador à filha
por cima do papel. Logo baixa novamente os olhos e continua lendo em voz alta:
— “Agora não venha encher meu saco, que não quero saber mais de briga, nem de
estudar, nem da BOSTA dessa prova de MERDA!”
Outra pausa enquanto encara a
filha que — a deduzir pela cabeça abaixada — agora lembrou do episódio da noite
anterior em que inventou de escrever aquela carta e deixá-la no balcão da
cozinha, onde a mãe a encontraria logo cedo.
— Sério, filha?
— Mãe... — geme a menina.
— Duas vezes “merda” e uma vez
“bosta” em quatro linhas? Você não acha isso um pouco redundante não?
— Hã?
— E tem mais: “Eu já falei que
essa merda não ia DAR certo.” Dar, não “dá”. Você já conjugou o verbo auxiliar,
então o verbo principal fica no infinitivo.
— Não entendi.
— Viu, por isso que precisa
estudar. Se não, acaba parecendo o presidente falando. Eu, hein! Agora levanta e
se vista pra gente não chegar tarde na prova!
Yvonne Miller nasceu na cidade de Berlim em 1985, mas mora, namora e se demora no Nordeste do Brasil desde 2017. Escreve contos, crônicas e literatura infantil em alemão, espanhol e português. Tem textos publicados em coletâneas, como Paginário (Aliás Editora, 2018), A Banalidade do Mal (Mirada, 2020), Histórias de uma quarentena (Holodeck Editora, 2021). É cronista do coletivo sócio-literário @bora_cronicar, do blog Escritor Brasileiro e assina a coluna “Isso dá uma crônica” do ColetiveArts. Além de ficcionista é autora e redatora de livros escolares. Instagram: @yvonnemiller_escritora