Tyler Donaghy |
Sinto
um sono fora do comum. Um amigo diz que é fuga. Logo eu que não sou mulher de
fugir. Uma dor de cabeça que não para. Estamos todos a esperar a morte sem
possibilidade de luta. Adoecidos por dentro e por fora. Nem ruas, nem coquetéis.
Mascarados e sem sentidos.
Os cães
de casa me lambem dia e noite, os pés.
"Estou
preparado com produtos de higiene, só não estou para a morte" me diz o Zé
nosso amigo de infância e que, depois de anos e anos preso, agora liberto,
volta a andar por essa casa/abrigo. O nego Zé, vive de reciclagem e acaba de levar
o que restou da gelaleia, nossa biblioteca de rua. Estou triste, imensamente
triste com o mundo ao meu redor. E quem não?
Tenho
me deparado com cada tipo de gente que nem sei se vale à pena existir. Café por
cima de café para me manter em pé.
A mãe
mais forte que eu, sempre! Segura minha mão em cada, minha, tão minha,
escuridão.
" Você
foi contemplado com uma bolsa com de mais de 70% na sua pós graduação".
Para quê diabos quero outra pós-graduação se o destino é a morte? “
Já sei
de có e salteado para quê me serve o conhecer.
Cá
estou, sem saber pra onde vou, nesse mundo de cão.
Aprendo
e ensino e, toda vez, me perco.
Sou só
um corpo nú e empobrecido pronto, nem tanto, pra sofrer os botes. Ando tão
cansada. E quem não?
Minha
sobrinha aprendeu a palavra "renomada" e vive a dizer que sou uma
escritora renomada. Não sei o que ela entendeu bem dessa palavra, mas importa
que ela me veja de forma tão linda quando me vejo em processo de decomposição.
Hoje fizemos juntas, um cordel. Me enche de emoção ver um ser humano tão miúdo
em processo de criação.
Mas
hoje estou como uma bruxa velha querendo tão somente um fogo brando para
aquecer ferozmente as minhas ervas mortais. Hoje, eu sou uma árvore triste.
Argentina Castro - Mestre em Antropologia, escritora de poemas, contos, crônicas. Articuladora e Mediadora da biblioteca comunitária Papoco de Ideias.