As Trevas do Imperialismo, Valdocir Trevisan

 

por Valdocir Trevisan__






Quando vejo nos noticiários da televisão a estupidez dos jovens europeus com sua xenofobia contra imigrantes, sinto vontade de "quebrar o pau". Uma leitura da história resolveria a questão. A frase "estamos aqui porque vocês estiveram lá" esclareceria o imperialismo (para não dizer os roubos).

 

Fomos saqueados centenas de anos (assim como os africanos) com brutalidade e assassinatos em massa. Marcelo Coelho na apresentação de "O Coração das Trevas" de Joseph Conrad, faz um relato da violência belga no interior do Congo em 1890.

E se esses atuais agressores estudassem o que foi o imperialismo, não só teriam vergonha de suas atitudes, como teriam de ressarcir cada imigrante que encontrasse.

 

 E ainda nem falei da escravidão.

 

Conrad descreve as desumanidades com os escravos: "trapos pretos circundavam-lhes o lombo e as curtas pontas atrás balançavam para lá e para cá como rabos, podia-se ver cada costela, as juntas pareciam nós numa corda e cada um tinha uma argola de ferro no pescoço..."

 

Daí vem uma turminha arrogante espancando brasileiros trabalhadores com suas bicicletas na Holanda. Daí o JN da Globo vem dar ênfase a um casamento "real" da Inglaterra e o gado aqui batendo palminhas...Tá loko!

 

A historiadora Mary Del Priore publicou anos atrás um romance "Beije-me onde o Sol não Alcança", onde minha indignação com o imperialismo recrudesceu. No livro, um conde russo casa com uma brasileira e assume os cafezais dela.

 

 Ele residia na França e quando vem ao Brasil diz que "não é fácil para um europeu viver entre essa gente. Brasileiros são tão desagradáveis...Paris conseguirá um dia educá-los?".

 

  Fala sério... 

 

 Enquanto isso, grandes empresários no Brasil atual sentem-se alijados dos seus lucros pelos inúmeros "benefícios" de seus empregados. A escravidão continua.

 

 No Brasil Colonial diziam que o fim da escravatura seria o caos, pois faltariam "mãos" de obra. Que coisa...ah, e os "trabalhadores" serviam seus mestres até morrer.

 

 Na África imperialista acontecia o mesmo. E foram anos de massacre.

 

 A preocupação com o ser humano menos favorecido não existia e conceitos como direitos e felicidades eram ficções. E hoje, interessante, nem poderosos garantem uma vida plena. Martin Seligman diz em a "A Felicidade Autêntica", que a bondade deveria ser obrigatoriamente espontânea uma vez que ações do bem desligadas do exercício do caráter leva ao vazio, à depressões. O preço da ambição desenfreada pode sair caro, caríssimo. Em Balneário Camboriú, um grande empresário se suicida por mês, se atirando dos edifícios mais altos do Brasil. São os paradoxos da felicidade.

 

Imaginem o que passava nas mentes dos miseráveis escravos, esses sim sofredores extremos da ganância. Conrad vai revelando atrocidades do Imperialismo quando "vultos negros agachavam-se e sentavam-se entre as árvores, encostados aos troncos, grudados no chão, meio visíveis, meio ocultos na penumbra com todas as atitudes de dor, abandono e desespero".

 

Tudo em prol dos países imperialistas, tudo para roubar marfim na África para abastecer o Império da Rainha. Essa mesma Inglaterra que assistimos na televisão expulsando imigrantes da mesma forma  demonstrada na reportagem que aconteceu na Holanda. Enquanto isso, vemos os súditos ignorantes batendo palminhas, inclusive aqui no Brasil.

 

 Por que isso acontece?

 

Casos típicos de uma cultura imperialista, a indústria cultural do Imperialismo. Octávio Ianni resume o esquema: "para compreender como a cultura capitalista se insere nas relações imperialistas e de independência, é indispensável que comecemos por reconhecer que essa cultura é um elemento essencial à reprodução das relações capitalistas, em escala nacional e internacional". Ele evidencia como a produção de todas essas interações resultam na reprodução de valores e ideologias. E assim, poderíamos perceber a imposição de culturas contando com apoio das mídias.

 

Enquanto indivíduos não perceberem essas máquinas de ideologias, não vão se livrar das demais dependências.

Como diz Zé Ramalho, "vida de gado, povo marcado e povo feliz..."

 

Alguém "ainda" duvida de que o capital se impõe em várias esferas com suas propostas? Claro que não, é próprio do capitalismo, porém não podemos aceitar seus imperialismos culturais opressores.

 

Opressores em todas as esferas, em prol de seus interesses, e o resto que vá...ora, é o conformismo superando a consciência em níveis econômicos, ideológicos e culturais para que os poderosos consigam o que desejam...vale tudo.

 

Enquanto o oprimido não visualizar as engrenagens imperialistas, as trevas vão seguir seus caminhos onde a perversidade do Imperialismo comprovou a fragilidade da civilização, principalmente no século IXX.  

 

Joseph Conrad questionava o que faziam os caçadores de marfim perdidos nas selvas africanas.

 

A falta de humanidade era tão vulgar que se fincasse "meu indicador dentro do Sr. Kurtz, não encontraria nada no interior, a não ser talvez um punhado de poeira", escreve Conrad. Marfim, marfim e marfim, a palavra sagrada. E para buscar (e roubar) o precioso, caravanas penetravam cada vez mais para o interior no coração das trevas, onde fazia um silêncio enorme...

 




Valdocir Trevisan
é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui