por Valdocir
Trevisan__
Sequência do filme Hans Staden |
Em seus
relatos famosos, Hans Staden narra sua epopeia no Brasil em 1547 e 1549. Na
segunda passagem ficou refém dos nativos por nove meses e meio se escapando de
ser "cozinhado" várias vezes. O aventureiro alemão em sua primeira
viagem veio como artilheiro e na segunda como arcabuzeiro. Depois de fugir dos
nativos, publicou um livro com enorme sucesso na Europa.
Suas palavras foram lidas sobre uma América
que não tinha dono, uma terra de ninguém.
Como assim? Terra de ninguém?
Mas não havia milhares de índios? Índio não
era gente? (Bom, para muitos, não são até hoje).
Na sua
primeira viagem, Hans Staden serviu como artilheiro numa nau mercante, porém
muito bem armada, caso eles se encontrassem com franceses pelo caminho.
Portugal e Espanha já tinham "tomado" posses no Brasil, mas o rei
Francês Francisco I exigia seu quinhão e falou essa pérola: "quero que
me mostrem o testamento de Adão que repartiu o Novo Mundo entre os reis da
Espanha e Portugal, pondo-me fora da partilha". Esses cristãos...vão
perguntar para Adão sobre os nativos.
Assim é nossa história. Aqui era terra de
ninguém e além de "conquistar" as terras matando milhares de nativos,
os que sobreviviam viravam escravos. Ó irmandade lusa cristã.
Então, os Tupininquins, Tupinambás,
Potiguares, Caetés, Aimorés, Tabajaras, etc não eram seres humanos? Restava aos
nativos combater os invasores, ops, conquistadores. Foram várias revoltas como
contra a colônia de Pernambuco governada por Duarte Coelho. Uma revolta dos
"selvagens" nativos, só porque haviam capturados e escravizados
alguns índios...
Quando Cabral chegou em 1500, só os
Tupininquins eram mais de 80 mil "ninguéns". E o querido rei da
França quer ver o testamento de Adão? Imagine você sentadinho na frente de sua
casa, (e terras), quando chega um simpático dizendo que além das propriedades
serem dele, você ainda vai ser escravo.
Assim foi nossa colonização, assim foi o
imperialismo e assim foram as grandes guerras. Hitler queria apenas uma raça no
mundo, a dele.
Até hoje os historiadores divergem sobre
desde quando os nativos estavam por aqui. Alguns dizem 12 mil anos mas outros
alegam 53 mil anos, e querem "testamento"?
Convenhamos, é muito tempo e muita gente não é
mesmo?
Nossas histórias são mesmo muito
"engraçadas". Staden disse que a América era terras com nações
selvagens com múltiplas línguas e com pele vermelha parda. Eu disse selvagens,
mas quem vinha para o tal novo mundo, desejava juntar ouro enchendo grandes
sacos que o enriqueceriam para o resto de suas vidas, "não interessando
como". E os selvagens são os nativos?
E quando Staden publica seu livro depois de
fugir covardemente (já vou dar detalhes da fuga do herói), retorna à Alemanha
fazendo dedicatórias ao soberano Príncipe Philipsen Lansltgraf de Hessen. Que
lindo!
Agora, vamos à realidade: quando Staden é
capturado pelos nativos, (já prevendo sua morte), foi humilhado pelas índias
que dançavam ao seu redor. "Che anama pipike aé", diziam, que
significavam "vingamo-nos em ti do que os teus fizeram aos nossos".
O herói alemão agora, revela sua covardia e
chora como criança (assim como o deputado machão que está preso, Daniel, que
chora todos os dias na cadeia), Staden em sua aflição começou a rezar um salmo
com os olhos encharcados como uma cachoeira. Os índios ao verem a cena, ficaram pasmos com a covardia, pois eles nas
mesmas situações, enfrentavam o destino com extrema coragem e disseram:
"Vede
como chora! Ouvi como se lamenta?" Assim amarraram ele numa árvore
humilhando o covarde mais ainda ao dizer "che remimbaba indé"...ou
"és meu cachorrinho de estimacão". O herói aventureiro não
servia nem pra presunto. E daí, depois de várias tentativas consegue fugir e se
apresenta na Alemanha como herói...
Para não dizer que só detonei o rapaz, temos
que reconhecer sua relevância histórica. Sua publicação de 1557 com lindas
xilogravuras causou impacto em toda Europa.
Afinal,
revelou como era a vida dos nativos, como se vestiam, comiam, no que
acreditavam, como cozinhavam, etc.
Num capítulo denominado "que regime e
que ordem seguem em relação às autoridades e à justiça", Staden escreve
que eles não tinham regime especial, nem justiça é cada cabana tinha um chefe,
porém os mais respeitados eram os que tinham se distinguido em guerras com
inimigos. Justo né. A literatura vale, pois trata-se de um clássico de valor
histórico. E apesar dele escrever ao Príncipe que foi Deus que o salvou de
tantos perigos "minhas fervorosas orações me salvaram e ainda mostrei
àquela ímpia gente que o Deus justo existia", (Sim, o Deus justo existe
mas quanto à sua covardia...).
Porém, como já disse, sua obra se transformou
num clássico e até hoje vale sua leitura. Em 1999, virou filme com Stênio
Garcia e Carlos Evelyn vencendo prêmios relevantes no Festival de Brasília e o
Prêmio Martiuns-Staden 2000.
Assim é nossa História.
Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui