por Iaranda
Barbosa___
Livre,
liberta, libertina, libidinosa. Essa é a voz poética que transita nos poemas de
Conceição Rodrigues, em Molhada até os ossos. Entidade,
encantada, puta, dona de casa, estudante, cidade, pós-moderna, dama, matadeira,
devota, descrente, heroína, pastora, raposa, fatal. Muitas são as mulheres que
habitam a voz feminina que desliza pelos versos bem trabalhados e de linguagem
cotidiana:
A
mulher das sete saias
Abarca
em suas barras
O mundo
todo e
Todos
os homens.
É
metafórica
Magnética
Pneumática
A
mulher das sete saias
Está
nos portos
Postes
e bares
Está
Quando
quero escutar
Os
pássaros pintados
Nas
paredes de Hiroxima
É
epilética
Concentrada
Esquizofrênica
[...]
Assim
se apresenta o primeiro poema do livro que nos causa impacto já desde a capa,
ao trazer o desenho do rosto de uma mulher em um envoltório vermelho, assemelhando-se
a um véu, ao cabelo ou, ainda, a uma vulva à menstruação. Interpretação esta
reforçada pela presença de algumas páginas pretas (pelos pubianos?) que se
alternam esporadicamente com páginas vermelhas (menstruação?). O vermelho
também remete ao sangue derramado por conta do machismo, do feminicídio e das
inúmeras violências pelas quais passamos.
Molhada
até os ossos é audacioso e traz à tona a fúria guardada nas
entranhas de um eu lírico em processo de erupção, de ebulição. Os poemas
viscerais revelam o empoderamento feminino configurado no domínio do próprio
corpo, no livre arbítrio, na opinião própria, no autoconhecimento, na
independência, na ancestralidade, na autonomia, no direito de ser quem/o que a
mulher quiser ser.
Seja
através de versos brancos, seja através de variadas rimas (ricas, preciosas,
opostas, emparelhadas, alternadas), o lirismo flutua na poesia de Conceição
Rodrigues. Ademais, vale ressaltar que a poeta faz uso de diversas técnicas
a fim de provocar movimento, sonoridade e estímulos sensoriais:
na boca
Ela
desoDed
Ecia
Dava dE
graç
A
BeijAVA
na bo
Ce
Ta boca
Trepavaquandoqueria
comprimia
A
uretra no m-e-i-o da ur
ina
E
soltava a água devagar
Vagand
O
Ao
último esquigchxxxo
Xota
Rápido
Ao
contrar’
lo
ado
Dona do
próprio umbigo, corpo, pensamento, sentimento, da própria língua. Assim é a voz
poética de Molhada até o ossos, uma figura feminina multifacetada com
uma faca cerrada entre os dentes que dança, levita na beira do abismo, geme. Em
meio aos versos há espaço para o amor, mas também para a crítica ao machismo, à
hipocrisia e, sobretudo, para o alerta de que o aprisionamento (simbólico ou
empírico) do corpo, do desejo, da alma, da fala e dos sonhos transforma a
mulher em um Banquete de tapurus.
Conceição
Rodrigues nos atira no espesso oceano feminino, onde nos banhamos,
mergulhamos, nadamos, nos renovamos, gozamos, flutuamos e saímos molhadas até
os ossos.
Iaranda Barbosa, formada em Letras Português-Espanhol, pela UFPE, possui mestrado e doutorado em Teoria da Literatura pela mesma instituição. Salomé (selo Mirada), novela histórica é sua primeira obra ficcional longa. A autora possui contos em antologias e revistas de arte, assim como diversos artigos científicos publicados em periódicos especializados em crítica literária.