O olho de quem se despe | Periférica 3ª edição - Mostra de Cinema de Camaragibe

 por Alexandrealexandrino__


Frame do filme Você já tentou olhar nos meus olhos


Você já tentou olhar nos meus olhos? Pergunta Tiago de Oliveira Felipe em seu filme. Uma sequência de fotografias nas quais de vê, quadro a quadro, o corpo negro de um jovem, se despindo diante de um espelho. Enquanto busco um caminho para escrever algo sobre os filmes de realizadores negros inseridos na Mostra Origem da 3ª Edição da Periférica – Mostra de Cinema de Camaragibe, o assisto mais uma vez. É o filme mais curto e diferente dos que compõe a mostra Origem, mas nele encontro algo importante para pensar no que vejo em Princesa do meu Lugar, de Pablo Monteiro; Laroyê, de Rennan Peixe; Filme de Domingo, de Lincoln Péricles; Egum de Yuri Costa. Que olhar cada um destes filmes tenta apresentar aos olhos de quem os assiste? O que cada realizador negro despe diante da câmera?


Se o modo de se despir varia, chama a atenção o fato da religiosidade surgir nestes filmes como parte do corpo que o olhar de quem se despe quer que a gente veja com atenção. Há o olhar da Princesa do Meu Lugar que se despe dançando e brincando com a religiosidade dos migrantes maranhenses que vivem em Belém do Pará; Há o olhar de Laroyê a se despir numa dança séria, concentrada, onde todos os gestos são rituais do sagrado; Há o olhar de quem vê na ancestralidade presente em Oxum o motivo para as alegrias com a família e com a comunidade em filme de Domingo e há o olhar que estabelece relações entre tragédia familiar e demandas mal resolvidas com Egum.


A religiosidade é percebida como aspecto importante na construção de identidades negras no Brasil em suas múltiplas formas individuais ou coletivas. Os filmes selecionados para a mostra Origem corroboram tal imagem. Os corpos negros que circulam pelas narrativas visuais exibidas são formados ou afetados pela religiosidade, se despem para seguir vestidos por ela na forma de roupas coloridas e cheia de adornos dos participantes da festa grande para o Caboclo Cearense e Divino Espírito Santo no distrito de Mosqueiro em Belém do Pará; na roupa branca da roça do terreiro em Recife, na bata de tecido africano do médico negro que retorna para a periferia de São Paulo; no torço e colares da avó na antiga casa dos pais no Rio de Janeiro. Somente em Você já tentou olhar nos meus olhos? O corpo negro é um corpo que se despe literalmente. Mas, apesar de não parecer, a religiosidade também ai está nua. Numa silenciosa reza forte diante do espelho e da câmera, clamando por olhares que enxerguem para além da retina, um corpo negro na busca por caminhos e encruzilhadas de religação consigo mesmo.  


 *Para assistir os filmes citados: Clica aqui

















Alexandrealexandrino - Artista Visual, Arte Educador, Historiador e Antropólogo. Trabalhou em Programas Educativos de diversas Instituições Culturais na cidade de São Paulo. Atuou como pesquisador em programas de preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Arqueológico em projetos no Pará, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo.  Nos últimos anos, dedicasse a pesquisas artísticas com foco nas relações entre Ciências Humanas e as Artes Contemporâneas com foco nos processos de construção de visualidades afroameríndias. Também desenvolver trabalhos como ilustrador.