Clamor do Deserto, Valdocir Trevisan

 por Valdocir Trevisan__




Ser religioso e ter fé em Deus são duas faces opostas, basta ver os absurdos da Igreja Medieval e das explorações comerciais da atualidade na mídia. Pastores, evangélicos, padres etc., fazem a festa.

 

O teólogo e filósofo Sören Kierkegaard(1813-55), considerado o pai do existencialismo, combateu a igreja do seu tempo com todo fervor, e foi crítico feroz do  cristianismo ao dizer que mudaram tanto os ensinamentos do Mestre, que sua essência foi perdida e desfigurada. É o que sinto ao ver os Malafaias da vida. Quem segue o hipócrita só vê seu desespero recrudescer. O progresso tecnológico da mídia e o surgimento das redes sociais perdem-se em cavernas e não vamos encontrar lá o desejado amparo. Parece que somos vozes isoladas no deserto com nossas inquietações humanas aguçadas.

 

Outro filósofo existencialista, desconhecido por muitos, o ucraniano Leon Chestov, escreveu uma máxima, dizendo que assim como Dostoiévski, Kierkegaard era uma "voz que chamava do deserto".

 

A discordância de Kierkegaard é enorme e ele foi severamente repreendido pelo clero da época.

 

 Talvez seja aqui que a Filosofia Existencial comprove sua relevância.

 

Porém, nossas questões existências se revelam (e se rebelam), quando migram para outras esferas, como na interação da fé com o escândalo, pois para Kierkegaard, o escândalo vai se unir ao pecado.

 

 Quanto à sua biografia, o filósofo dinamarquês passou por uma vida conturbada. Sua infância foi tão severa que certa vez ele disse que não teve infância nem juventude, pois já nascera velho.

 

 A "pressão" do pecado sempre habitou sua alma e por isso viveu assombrado com a pureza de seu corpo e alma. Na parte final do livro "O Desespero Humano", o comentário do autor esclarece suas crises: "como profeta que predisse a crise que se seguirá à tirania militarista ao desprezo do ditador pelo indivíduo à crueldade da terrível mentalidade de rebanho é a bancarrota total para a qual parece precipitar-se toda a Europa". Nossa, ele era também visionário, pois isso aí é o Brasil de 2021.

 

Tirania militar com um presidente insano, onde o "desprezo do ditador pelo individuo", é marca atual com o negacionismo do genocida. E a crueldade da terrível mentalidade de rebanho (olha o gado aí gente), com ministros deixando a boiada passar. Uau.

 

E eu aqui, tentando levantar minha voz, uma voz isolada no deserto. Mas parece que, otimista que sou, estou vendo oásis ali na frente. Afinal sou cristão, tenho fé e meu clamor será ouvido, do deserto para a transparência do rio São Francisco.

 

Mesmo porque toda voz tem sua força, como questiona Kierkegaard, "o desespero se constitui numa vantagem ou numa imperfeição? Ambas as coisas em pura dialética".

 

Aliás, ele ressaltou algo que ouvimos todos os dias, aquela avaliação de médicos e psiquiatras de que não existe indivíduos completamente "sãos", assim como todos passam por inquietações e desesperos. Por outro lado, podemos recorrer a cantora Simone, "desesperar jamais..."

 

Retornando à inquietação, ela própria tem o poder de edificar pois conforme Kierkegaard, trata-se de um comportamento nobre da vida muito semelhante às doutrinas cristãs. Ora, se cremos, podemos acalmar nossas inquietações, nossos clamores.

 

Essas dialéticas confirmam como ficamos desconfortáveis com nossa liberdade e nosso livre arbítrio.

 

A inquietação e a crença se comportam, ou melhor, se unem a nossa liberdade simplesmente quando, por exemplo, damos prioridade a estética do que a moral ética, mas enquanto as pessoas não perceberem isso nossas angústias terão vida longa. Reflexos de uma sociedade consumista, sempre querendo mais e assim vemos que tudo se liga, tá ligado?

 

Ô seu blogueiro, quer confundir? Não, pelo contrário, estou simplificando com exemplo atemporais.

 

É a importância da filosofia existencial, onde o professor da PUC-RJ, Carlos Borba diz que "a Filosofia Existencial representa simbolicamente a Árvore da Vida, cujos frutos permitem ao homem o acesso a liberdade ultrapassando o vazio das abstrações, das leis e da tirania da etics".

 

Enfim, vemos que ter doses de fé é essencial para avançar na vida e entender que a angústia tem, entre suas origens, ligações até com nossa própria liberdade absoluta.




 


Valdocir Trevisan
é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui