por Taciana
Oliveira__
“Mulheres de Hopper”, de Katia
Marchese (Editora Patuá, 2020), revela um diálogo bem articulado com a obra do
pintor americano Edward Hopper, artista conhecido por sua imersão no ambiente
urbano e nas representações realistas do isolamento social da vida moderna. Influenciado
fortemente pelos estudos de Freud e a teoria intuicionista de Bergson, a obra de
Hopper se manifesta pela expressão do vazio e da melancolia.
Em seu primeiro livro solo, Katia Marchese apresenta com a escolha da narrativa e concepção do projeto gráfico, cenários do universo feminino onde a solidão e o silêncio pulsam em versos de uma vulnerabilidade honesta e pungente. “Mulheres de Hopper” reúne 26 poemas ilustrados por Isabela Sancho, distribuídos em propostas temáticas inspiradas nas telas do pintor: Trajetos, Janelas, Quartos e Casas.
A poeta nos oferece um conjunto de sensações e conexões, que por vezes nos mobiliza a ressignificar a nossa trajetória:
Intentos
O que
guardo
são
risos, lágrimas
e o
amanhã
Não guardo
Motivos,
silencio
o porquê
Canta
um galo invisível
todos os
dias,
não o
vejo, mas ele canta.
O livro
é um ensaio poético sobre o feminino na sua amplitude de experiências. Sim, estamos emocionalmente inseridas neste contexto e muito mais próximas ao processo criativo de Katia. Falo isso sem desmerecer toda referência a Hopper, mas não é difícil se reconhecer no bucolismo impresso e na delicadeza de cada poema:
Neste
corpo,
mora a infância,
que
dança e me eleva
acima
dos ossos
e dos
presságios.
— O
anjo do senhor é um demônio.
Trecho
do poema Dançatriz
“Mulheres de Hopper” é portanto um exercício artístico-terapêutico da escuta e da percepção. Uma costura de memórias, afetos, perdas e desejos. Um manifesto sensível sobre a ruptura contra diversos aspectos e padrões sociais que precisam ser desconstruídos. A obra, enfim nos envolve em acolhimento e empatia, evoca muito mais que um apelo contra a misoginia, mas a possibilidade de se cultivar, apesar dos pesares, a sororidade e a esperança:
E não é
mau que as manhãs
nos acordem
todos os dias
e sejam
as mesmas.
Quando
abrir a porta
e avistar
a escada,
saberei
que lá embaixo começa a rua
e até
mesmo o futuro estará em seu lugar.
trecho do poema Método
"Mulheres de Hopper” nos define.
Taciana
Oliveira é mãe de JP, comunicóloga, cineasta, torcedora do Sport
Club do Recife, apaixonada por fotografia, café, cinema, música e literatura.
Coleciona memórias e afetos. Acredita no poder do abraço. Canta pra quem quiser
ouvir: Ter bondade é ter coragem.