por Valdocir Trevisan__
Uma das
leis divinas deixa claro que ninguém tem direito de matar nenhuma pessoa. Mas
garanto que não existe indivíduo que já não desejou repetir as palavras de
Dimitri, personagem de Dostoiévski em "Os Irmãos Karamázov", quando
diz que "enquanto ele viver, minha vida será um inferno", ou ainda
que nunca teve vontade de matar aquele verme. Calma pessoal, estou refletindo
Dostoiévski.
O autor russo do século XIX revela as
desavenças e angústias do ser humano, e nesse caso específico, descreve uma
tumultuada relação entre um pai e seus três filhos.
Um romance com frases existenciais revelando
as dificuldades das relações humanas.
Frases
"pesadas", quando outro personagem diz "pois fique tranquilo,
porque Deus não existe" e sendo assim (se fosse), tudo seria permitido.
Quem diz isso é o segundo filho, um estudante ateu convicto num diálogo com seu
irmão caçula, que por sua vez, vive um mosteiro.
Ivan, o
ateu, até concorda com um mundo de harmonia mas essa ilusão é impossível pelo
caráter do ser humano. Ele cita um fato trágico onde um fazendeiro assassina
uma criança com seus cachorros que estraçalham o infeliz na frente de sua mãe.
E Ivan desabafa "Não dá vontade de matar um canalha desses?". Que dá
vontade dá né...mas não podemos, não é por aí
e acho melhor seguir os mandamentos do Divino Mestre.
E mesmo num mundo desigual denunciado por
Dostoiévski, nossa moral exige seguir o "não matarás".
Em
"Crime e Castigo", um personagem pergunta assustado se temos "o
direito ao crime?", e as argumentações são ainda mais assustadoras:
"o senhor divide os homens em ordinários e extraordinários. Os homens
vulgares deviam viver na obediência e não tem direito a infringir as leis, pelo
próprio fato de serem vulgares. Mas os extraordinários tem direito a cometer
toda a espécie de crimes e a infringir as leis de todas as maneiras, pelo
próprio fato de serem extraordinários". Ah tá, talvez seja por isso que um
ladrão de galinhas vai pra cadeia enquanto nobres políticos usufruem suas
mansões compradas pela corrupção. As tramas de Dostoievski forçam nossas
reflexões diante tais extremos pois ele mesmo teve uma vida sofrida quando foi
perseguido pelo Czar Nicolau I e quase fuzilado. Escapou da morte, mas acabou
na Sibéria.
Por isso ele denuncia as injustiças sociais e
revê nossas consciências.
Ainda
nos irmãos Karamázov, quando uma criança de dez anos morre, seus amigos se
revoltam e dizem que Deus é cruel. Aliócha, o caçula noviço conforta as
crianças lembrando que seu mestre Ancião Zósima também faleceu, mas que ele
está dentro da alma dele, tudo está em seu interior e que o brilho das nossas
consciências são mais dignas e radiantes que qualquer outra coisa.
Nossos interiores, nossas consciências,
nossas vidas e também, nossas sensibilidades.
Vejam
as diferenças de sensibilidades entre os três irmãos.
Como
cada um viveu e encerrou o romance. Um teve final feliz, outro trágico e o
terceiro, melancólico. O sociólogo Michel Maffesoli diz que a vida tem suas
representações e identidades onde observamos caminhos de novos territórios e
valores, diante de "uma intensidade trágica, onde a medida da vida é viver
sem medidas". E mesmo que desgraças sejam elementos naturais, matar um ser
humano jamais será solução.
Como
diz a música, diante de aflições, é preciso saber viver, caso contrário nossas
rotas cotidianas serão ásperas. Mas ainda assim, quem sabe essas pedras em
nossas estradas sirvam para que nossas forças ocultas, aquelas escondidas e que
imaginamos que não temos, iluminem nossas almas. Por isso, estar atento é
obrigação, pois num momento de raiva tudo pode vir água abaixo.
Um
descontrole e toda expectativa de uma vida podem ser arruinada com sequelas
para o resto de nossas vidas. Dá vontade de matar um canalha? Sim, mas o
"azar" será do assassino.
E tem mais, e se o culpado for inocente? Como as injustiças com Mandela, preso político por 30 anos.
Temos
que ter, diria Lenine (o cantor), paciência. Paciência, outra característica de
peso, ela se relaciona com a prudência e a humildade e a paz só chegará através
dela. Alguém duvida que a paciência tem poder de humilhar os orgulhosos? Eu
não.
No
livro dos mil provérbios do mestre catalão Raimundo Lúlio, ele afirma que a "paciência
pode chorar no início, mas vai sorrir no final". Acho que Dostoiévski
segue esses trilhos, mesmo com seus personagens paradoxais.
Como
não sou personagem dele e não pretendo matar ninguém, vou "adelante",
e com paciência para sorrir no final.
Valdocir Trevisan é gaúcho, gremista e jornalista. Escreve no blog Violências Culturais. Para acessar: clica aqui